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domingo, 5 de junho de 2011

Quer Teclar Comigo novamente? (9)






Capítulo 9 –

                A tesoura era passada lentamente entre o fino vestido de seda de Thalita. Logo, os seios e o umbigo apareciam. Mas Lucas não estava aparentemente dando a mínima atenção ao corpo da garota. Seus sentidos estavam centrados àquela difícil cirurgia que determinaria a vida – ou morte – de sua amada: Aline.
                - Quando essa cirurgia acabar, Aline, você acordará e aspirará um novo ar, de uma nova vida – dizia ele, enquanto deslizava suavemente o algodão molhado a álcool sobre o corpo frontal da paciente – E vamos ficar juntos para sempre.
                O suor estava exposto em sua testa. O medo era inevitável. Sabia que não poderia falhar, e não ia – ao menos sua mente afirmava.
                O bisturi já estava em suas mãos. Os olhos observavam os batimentos cardíacos que passavam de segundos em segundos no visor daquele aparelho. Estava esperando o momento certo para iniciar a operação.
                Lucas respirou fundo e levou o bisturi lentamente em direção ao peito de Thalita. Encostou o artefato e iniciou o corte. Porém, fora rapidamente interrompido com o estrondo da porta, que fora arrombada fortemente e, então, um garoto entrou:
                Era Fred que, ao observar o que seu primo Lucas estaria prestes a fazer, arregalou os olhos, ficou boquiaberto e perguntou num tom de exclamação:
                - MAS QUE PORRA VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO, LUCAS?!
                Ainda com bisturi em uma das mãos, Lucas respirou fundo, afastou-se de Thalita e disse num tom calmo:
                - É bom te ver também, primo.
                - RESPONDA! QUE PORRA FUDIDA É ESSA QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! QUER MATAR A THALITA?!
                 - Não. Eu quero salvar a Aline – respondeu com um meio sorriso – Agora preciso que saia. Não posso mais esperar. Aline está sofrendo e eu preciso acabar com isso.
                Os olhos de Fred focavam os de Thalita e brilhavam. Pareciam lágrimas – e eram lágrimas que queriam sair, mas que eram contidas por ele.
                - Meu pai avisou que não era para você fazer nada com a Thalita, ESQUECEU?! – disse Fred, aproximando-se lentamente de Lucas que, ao perceber a aproximação, ergueu o bisturi.
                - Eu estou salvando a vida da minha namorada! Não me importo com quem tenha de morrer, seu desgraçado! E por que está tão preocupado com Thalita? Ainda não entendi essa sua fascinação por essa garota. O que você e o tio Marcos querem com ela?!
                - Não é da sua conta. Agora a desamarre e tire-a daqui! Ela vai comigo!
                - Eu não irei fazer isso – Lucas disse friamente, quase soletrando a seu primo. Estava disposto a não desistir da cirurgia, pois era a única maneira de salvar Aline – Ela tem um coração compatível com o de Aline e eu não vou passar o resto da minha vida procurando por outro coração. Não há tempo... Aline vai morrer, Fred...
                - Ainda podemos salvá-la. Ainda há muitas pessoas lá fora que tem um coração saudável. Ainda podemos enganá-las através da internet. Ainda podemos salvar sua namorada... Mas a Thalita... Ela não pode morrer, Lucas... Não pode...
                - Por quê? Por que ela não pode morrer? Ela é apenas mais uma, Fred!
                - Se ela fosse mais uma, eu e meu pai a teríamos matado faz tempo! Matamos os falsos pais dela e a deixamos sozinha apenas por um motivo!
                Ao ouvir tal palavra, Lucas intrigou-se.
                - O que? Falsos pais? Como assim? Os pais dela não eram realmente os pais dela?
                Fred abaixou a cabeça. Queria chorar, mas não podia fazer isso à frente de seu primo. Relembrava seu passado através do silêncio que pairava naquele quarto.
                 - Responda, Fred! Ela era filha de pais adotivos? Quem são os pais dela?!
                Por fim, levantando a cabeça, Fred respondeu  com a voz trêmula:
                - O pai dela... É o meu pai.
                A expressão de horror tomou Lucas e o bisturi caiu de sua mão. A respiração era mais tensa e ele estava completamente abismado, aterrorizado... Não havia definições para tal reação ao ouvir tais palavras.
                Olhou para Thalita naquele estado, inconsciente e debilitada, e pensou: Eu estava prestes a matar a minha prima... Estava prestes a matar a minha prima...? Deus...
                - A mulher que meu pai matou há anos atrás... Foi a mãe dela... E esposa dele... E minha mãe...  – Fred dizia com olhos decaídos, tão tristes e arrependidos – Ele estava disposto a se redimir e cuidar dela novamente, recomeçar uma nova vida... Mas com esse nosso trabalho de salvar as pessoas... Seria impossível. Ela jamais nos aceitaria... Meu pai me disse que quando ele matou a mãe dela, ela era apenas uma menininha indefesa... E ele não teve outra opção a não ser dá-la para a adoção. Não suportaria cuidar de uma menina... Ele se lembraria de sua mulher...
                - Meu Deus... Então você é... Você é...
                - Sim – dessa vez, Fred ergueu a cabeça e sorriu para Thalita com olhos brilhantes e um sorriso estampado no rosto – Eu sou o verdadeiro irmão dela.
                Fred aproximou-se de sua irmã, tocou em sua testa e a acariciou. Via nela o reflexo de si próprio. Estava mais feliz do que nunca ao revê-la. Tivera de mentir aos policiais que a matara, pois se dissesse que ela ainda estaria viva os mesmos desconfiariam de que ela significava alguma coisa e poderia estar envolvida e, claro, descobririam o paradeiro dela.
                - Eu queria tanto que fosse diferente – continuou Fred, com olhos cintilantes vidrados à Thalita – Queria que nada disso tivesse acontecido, e que pudéssemos ser irmãos pra valer... Que não pudéssemos esconder nada... Seria bem melhor...
                Enquanto Fred conversava voluntariamente com sua irmã inconsciente, Lucas entrava em completo desespero ao ver sua namorada Aline indefesa, sem chances de vida. Agora que ele sabia da verdade não podia matar Thalita, já que era sua prima. Porém, a ansiedade, a pressão de querer salvar seu grande amor o deixava completamente em transe.
                De repente, o aparelho registrou um aumento nos batimentos cardíacos de Aline. O medo tomou conta de Lucas. Elevou suas mãos à cabeça e ajoelhou-se aos berros:
                - NÃO! NÃO! NÃO! ALINE, ALINE... PELO AMOR DE DEUS! EU NÃO POSSO VIVER MAIS SEM VOCÊ! NÃO!
                Não sabia mais o que fazer. Estava completamente aterrorizado com o fato de que iria perder o seu amor. Fred observou aquele sofrimento, sentiu pena, remorso... Se Thalita não fosse sua irmã certamente ele a ofereceria como cobaia para a doação do órgão que salvaria Aline. Mas a realidade era dura: Ela era sua irmã e ele não deixaria que nada de ruim acontecesse com ela. Esse fora o motivo pelo qual Thalita estava escondida todo esse tempo àquela casa abandonada: Por segurança.
                No entanto, o desespero de Lucas subiu-lhe à cabeça. Os olhos dilataram-se, a boca fechou-se numa linha reta, a testa franziu e, agarrando o bisturi que havia jogado ao chão, caminhou em direção a Thalita, estendeu sua mão com o artefato e bruscamente cravou no estômago da garota, fazendo com que um pequeno ferimento se abrisse e sangrasse demasiadamente.
                Ao ver tal ato de horror, Fred empurrou seu primo fortemente contra a parede, segurando o braço em que ele estava segurando o bisturi.
                - ESTÁ MALUCO?! COMO OUSA MACHUCAR A MINHA IRMÃ?! – Questionou Fred aos berros e expressando toda a sua raiva e proteção de irmão – FICOU DOIDO, LUCAS?! ESTÁ FORA DE SÍ!
                Porém, Lucas não estava ouvindo absolutamente nada – na verdade estava, mas sua mente não decifrava -. Apenas focava-se no salvamento de Aline. A única coisa concreta em seu cérebro era salvar seu amor, mesmo que todos ao seu redor tivessem que morrer.
                - EU TENHO QUE SALVAR ALINE! EU TENHO QUE SALVÁ-LA! THALITA PRECISA MORRER! THALITA PRECISA MORRER! PRECISA MORRER! AAARGH!
                A força do garoto era sobre-humana. Fred não conseguiu conter toda aquela fúria e sentiu o bisturi perfurar suas costelas. Agonizou repentinamente, caindo ao chão, elevando suas mãos ao ferimento, tentando parar o sangramento.
                Os olhos de Lucas estavam sem foco, o corpo era levado através da força da mente. O bisturi estava erguido sobre a mão direita e a única coisa que ele queria fazer era arrancar o coração de Thalita.
                Aproximou-se da mesma, segurou o objeto com força, ergueu ao alto e, num ato rápido, cravou abaixo:
                De repente, todo aquele momento fora quebrado com o disparo de um tiro, que ecoou sobre a casa e toda a floresta...
                O silêncio pairou assustadoramente pelo lugar.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Quer Teclar Comigo novamente? (8)



Capítulo 8 –

             

   O carro aparentava ser de fuga, mas não. Era apenas o automóvel do tenente Carlos Henrique, que dirigia a toda velocidade com olhos concentrados na direção e ouvidos atentos às palavras de Fred, o jovem assassino que fora solto através da condição de levar o homem ao cativeiro onde estariam supostamente os corpos de Thalita e Aline – o que na verdade era mentira.
                - Eu espero que não esteja mentindo para mim, garoto – resmungou Carlos, encarando-o seriamente enquanto o carro percorria uma pista reta – Eu estou soltando você apesar de todas as barbaridades que cometeu, mas não cometerei esse erro novamente se você pisar na bola comigo.
                O olhar de Fred era sereno, tão calmo e inocente quanto o de um bebê. O sorriso queria escapar de seus dentes, mas ele se continha. Não queria ver Carlos mais furioso do que já estava.
                - Não se preocupe, estamos chegando lá. Agora vire à direita. Estamos saindo da cidade – disse ele, enquanto observava a paisagem afora.
                Carlos assentiu com um ar de desconfiança e fez o trajeto. Ficou um pouco irritado quando o garoto explicara que estavam saindo da cidade. Afinal, ele era policial e aquilo fora como um insulto à sua inteligência.
                O problema era saber onde eles estavam indo agora.



                Aline tossia sem parar. Sua garganta aparentava estar a ponto de explodir. A cada tosse emitida, sangue jorrava pela boca, manchando suas vestes ou tudo o que estava próximo. Ela agonizava, fechava os olhos, tentava reprimir-se daquilo, mas a doença era maior.
                O tempo estava acabando.
                Ao seu lado, Lucas a observava com olhos tristes e cheios de pena. Ele não podia fazer nada. Aliás, ele podia e faria: Seria o cirurgião que faria o difícil transplante de coração. Substituiria o órgão de Aline pelo de Thalita e, se tudo desse certo – se desse – Aline iniciaria uma nova vida, com um novo coração.
                - Calma Aline. Tudo vai ficar bem – disse ele, pondo a mão sobre as costas da garota.
                - O tempo... Argh! O tempo está... Acabando, Lucas... Está acabando...
                Lucas assentiu, sorriu e disse:
                - Não mais. A hora chegou, amor. Vamos te salvar. Eu juro.
                Aline abriu os olhos e sorriu.
                Agora vamos ser apenas uma, Thalita. Apenas... Uma, pensou ela, enquanto o sangue misturado a saliva escorria de sua boca.
               



                As árvores totalmente agrupadas davam a sensação de um lugar abandonado pela civilização. A estrada era extensa, repleta de pedras e buracos. As inúmeras folhas balançavam através da ventania suave e Carlos podia começar a sentir  cheiro de podridão, carniça...
                - Puta que pariu! Que cheiro é esse?! – Questionou num tom de exclamação, diminuindo a velocidade do automóvel e elevando uma de suas mãos ao nariz para evitar o terrível odor.
                - Eu estou acostumado com isso – respondeu Fred, agora com uma aparência mais séria estampada em seu rosto. Sabia que já estavam chegando ao local e o mau-cheiro era a prova disso – Eles jogam os restos corporais no meio dessas florestas. As pessoas não vêem aqui. Ninguém vem aqui. Fica mais fácil se livrar dos corpos.
                - Entendo... – o silêncio pairou sobre aquele carro. Carlos observou Fred e, enquanto o encarava, perguntava-se o porquê daquele jovem ter se tornado um serial killer. Logo, o silêncio foi tomado por suas palavras – Como pode você ser tão novo e já se mete em tantas confusões? Por que, garoto? Você é tão jovem... Sua vida poderia ser bem diferente dessa, sabia? Por que seguiu os passos do seu pai, ao invés de denunciá-lo a nós quando pôde?
                Fred não olhou para o policial mas, ainda observando a paisagem, respondeu friamente:
                - É como dizem por aí: Tal pai... Tal filho...
                - Mas não faz sentido... Não faz... Vocês não podem se tornar assassinos sem mais nem menos! Não há explicação para isso!
                - A vida é um mistério sem explicações, Carlos. As coisas simplesmente acontecem como devem acontecer. Não há explicação para isso.
                - Eu discordo... – sussurrou o tenente, tendo em mente lembranças passadas.
                - Opiniões diferentes... A questão é que temos segredos ocultos que não podemos revelar à ninguém  – disse Fred – Você também tem cara de quem fez algo errado na vida...
                - Isso não é da sua conta! E os meus segredos são problema meu! – Exclamou e aumentou a velocidade do automóvel, tentando fechar de vez aquela conversa.
                Fred calou-se de repente. Fixou seus olhos em um pequeno objeto que estava escondido dentro do carro e disse:
                - Na verdade, eu tenho um segredo que acho que posso lhe contar...
                 Atento aos buracos na estrada, Carlos perguntou distraidamente:
                - Que segredo?
                - Odeio policiais! – Exclamou o garoto, capturando uma caneta e rapidamente perfurando um dos olhos do policial que, agonizando, perdeu o controle do carro, fazendo-o sair da estrada de terra.
                Enquanto o automóvel descia uma ladeira, batendo sobre os galhos das árvores, Fred aproveitou a chance e pulou do banco, caindo bruscamente contra o chão, ralando suas costas.
                Enquanto se levantava, pôde ver o carro continuando a descer sem parar, em direção a um lugar desconhecido de longe dali.
                Sorrindo e mesmo com alguns ferimentos, ele disse:
                - Eu jamais voltarei àquela maldita cadeia, seu filho da puta!




                Aline estava em cima de uma mesa, inconsciente. Ao seu lado uma pequena máquina que contava seus batimentos cardíacos estava ligada. A sala era pequena. Na verdade, era um quarto – o mesmo onde Roberto morrera, pois as manchas de sangue ainda estavam tintadas sobre os lençóis brancos.
                As luzes acenderam alguém entrou pela porta e disse num tom baixo e suave:
                 - Oi Aline, como você está?
                A estranha pessoa vestiu as luvas brancas de látex.
                - Não se preocupe, esse sofrimento acabará logo...
                Ao lado do leito onde Aline se encontrava, vários objetos de cirurgia enchiam a pequena mesa.
                Pegando um bisturi e colocando-o de frente para seu rosto – fazendo o reflexo surgir no objeto – Lucas disse:
                - A hora chegou, Aline...
                Ele sorriu e, ao mesmo tempo, lágrimas escorreram de seus olhos.
                De repente, virou-se de costas para a garota e deparou-se com outro leito...
                O leito onde se encontrava outra pessoa inconsciente...
                Outra garota:
                Thalita.