Capítulo 10 –
Uma agonia. A agonia. Os lábios de Lucas estavam manchados como se tivesse acabado de beber uma garrafa de vinho. Os olhos vidrados, quase brancos, estavam observando o ser que entrara pela porta e que segurava uma arma. A arma que fora disparada repentinamente em seu peito, em seu coração.
- Você queria um coração para Thalita – disse a pessoa que entrara pela porta – Agora você é quem precisa de um.
Lucas elevou sua mão direita ao lado do peito esquerdo, olhou para Aline com tristeza e disse lentamente:
- Me... Me perdoa... Meu amor...
E então, o garoto desabou ao chão com os olhos abertos. E assim permaneceu.
Fred ainda agonizava com a punhalada que levara nas costelas, mas seu maior medo – além de morrer – era ser preso novamente. Porque o ser que estava à sua frente, apontando a arma diretamente em sua cabeça, era nada mais nada menos que Carlos Henrique, o destemido policial que aparentava ter sete vidas e se recusava a morrer naquele lugar.
- Você não morre, não? – Fred perguntou com ênfase num sorriso torto. Naquele momento já não se preocupava tanto em estar naquela situação, pois já sabia que não ia se dar bem.
- Seu desgraçado – Carlos sussurrou quase sem forças. Suas vestes estavam rasgadas, sujas e repletas de mato, grama e alguns pequenos galhos secos. O cansaço era evidente e os ferimentos tomavam sua testa e seu braço esquerdo – Você me enganou, seu filho da puta... Eu vou matar você... Vou matar você... VOU MATAR VOCÊ!
Fred continuava com o sorriso exposto em seu rosto e não levava as ameaças do tenente a sério.
Carlos levou seus olhos às duas garotas e se impressionou. Percebeu que estavam vivas, que Fred havia mentido todo esse tempo e que Lucas queria matar Thalita. Porém, não sabia o motivo.
- O que aconteceu? Por que esse garoto queria matar Thalita? – ele perguntou. Não estava com pressa de atirar em Fred antes de saber toda a verdade.
- Ele queria matá-la – respondeu -, e eu não queria deixar isso acontecer. Eu não queria que Thalita morresse...
- Por que não?
- Porque – Fred começou, mas parou por alguns segundos. Porém, percebeu que estava encurralado e agora toda a verdade poderia ser dita – Thalita é a minha irmã.
Ao ouvir tal revelação, Carlos começou a tossir exaustivamente. Claramente, não estava acreditando nas palavras do garoto. Mas também sabia que ele não poderia mentir mediante toda aquela situação. Agora as coisas pareciam se encaixar: O motivo pelo qual Fred mentira todo esse tempo sobre a possível morte de Thalita, sobre o corpo que nunca fora encontrado...
Mas... O que Aline teria a ver com tudo aquilo?
Thalita era irmã de Fred, e o que Aline era? Por que eles não a mataram? Por que estariam guardando-a num cativeiro?
- E a Aline? – Carlos não pensou em perguntar. Queria saber de absolutamente tudo – O que ela tem a ver com tudo isso? Pra que vocês estavam refugiando-a aqui?
Fred pensou por alguns segundos e disse:
- Isso foi um pedido do meu pai. Eu não sei o motivo pelo qual ela continua Viva e segura aqui. Marcos pediu para que eu não a matasse, mas que ajudasse a salvá-la. Ela tem um problema no coração e precisa rapidamente de um transplante... Lucas ia matar Aline, retirar seu coração e colocar na minha irmã... Ele só queria salvá-la... Mas eu não ia permitir que isso acontecesse... E ai você entrou e o matou...
- Seu pai queria proteger a Aline – Carlos pensou em voz alta – Então ele deve guardar algum segredo sobre ela, e não te contou sobre nada? Ou você está mentindo para mim, Fred? Lembre-se de que acabou para você. Não há escapatória.
- Eu sei. É por isso que estou dizendo a pura verdade. Thalita é minha irmã porque meu pai teve um caso com a mãe dela... Que era a minha mãe também... E ele mandou Thalita para a adoção porque não suportaria cuidar dela, pois se lembraria de sua esposa... É só isso que eu sei... Sobre a Aline ele não quis me contar nada. Apenas me pediu que a salvasse e pronto.
As respostas estavam surgindo. As incertezas de Carlos estavam sendo respondidas e o caso estava se esclarecendo. Mas estava na hora de tudo aquilo acabar. Fred seria preso, as garotas seriam salvas e levadas ao hospital e Aline seria enviada ao banco de corações o mais rápido possível.
- Obrigado por me contar, Fred – disse Carlos, sorrindo – Pelo menos tudo isso que aconteceu comigo valeu a pena. Esse caso está sendo resolvido. Agora sei que seu amiguinho e você estavam procurando um órgão pela internet todo esse tempo para salvar Thalita. Sobre a Aline o seu pai vai me contar, disso eu tenho certeza. E você, prepare-se para viver novamente atrás das grades, sozinho, sem iluminação... Você está frito, Fred! Sua vida literalmente acabou!
De repente, um estrondo, uma pequena explosão...
Um tiro.
Os olhos sem foco de Carlos pararam de piscar. A cabeça começou a sangrar repentinamente, expondo um pequeno e profundo buraco perfurado por uma bala.
A arma estava sendo apontada por um ser que estava atrás dele, cujo a identidade assustou e impressionou aos olhos de Fred.
- Você – ele sussurrou e observou o corpo do tenente cair sobre o chão – Você... Como... Como...?
- Como eu sabia? – completou ela, mirando a arma em direção a cabeça de Fred – Eu sou a mãe dela, Fred. As mães sabem de tudo a respeito dos filhos. Vocês não conseguem esconder nenhum segredo de nós.
Fred abaixou-se enfraquecido e começou a arfar. Não podia ser. Não podia ser. Aquela pessoa que estava à sua frente jamais poderia saber de tudo o que havia acontecido. Porque aquela pessoa era nada mais nada menos do que Maria Franco de Almeida: A mãe de Aline!
- Achou que você seqüestraria Aline de mim sem pagar por isso? – Maria perguntou, aproximando-se cada vez mais de Fred – Achou que eu a deixaria com você, seu maluco? Achou que a mataria?
- Eu não queria matá-la, senhora! Eu, meu pai e meu primo estávamos tentando salvá-la. Ela tem um problema do coração e...
- EU SEI QUE ELA ESTÁ DOENTE! SOU A MÃE DELA E SEM MAIS DO QUE NINGUÉM QUE ELA PRECISA DE UM NOVO CORAÇÃO! Mas você ia mesmo matar a melhor amiga dela, Thalita, para dar-lhe a vida? Ia mesmo fazer isso, garoto?
- Não! NÃO! THALITA É MINHA IRMÃ! EU JAMAIS A MATARIA! Quem queria matá-la era Lucas. Ele amava a sua filha. Queria salvá-la de qualquer maneira...
Maria sorriu e baixou a arma, dizendo:
- Você é tão bom, Fred. Eu sabia que você jamais machucaria a sua irmã. Você é um bom garoto, um bom filho...
Os ouvidos de Fred estavam confusos. Ela estava tão calma, tão serena. E falava com ele de uma maneira como se o conhecesse há bastante tempo.
- Mas você deve voltar para o seu pai... – ela continuou, agora levantando a arma e apontando para o garoto – Deve voltar para a cadeia!
- NÃO!! – Fred exclamou num tom de socorro.
O disparo foi alto e certeiro... Atingiu a perna dele, exatamente o local onde Maria queria atirar.
A agonia foi tensa. O sangue quente escorreu do membro inferior de Fred. Ele caiu ao chão e começou a gritar de dor, olhando furiosamente para a mulher que sorria diabolicamente para ele.
- Por favor... – ele suplicou – Não faça nada com a Thalita... Eu lhe imploro...
- Eu não farei... – ela respondeu, tirando um celular do bolso, discando três dígitos e elevando aos seus ouvidos – E você não dirá nada sobre o que aconteceu aqui...
- Departamento de Polícia – disse a voz do outro lado da linha – Com quem eu falo, por gente lesa?
- Fred Oliveira está há dez quilômetros da Rodovia Castelo Branco, no meio da floresta, em uma pacata e velha residência... Está impossibilitado de andar... Venham pegá-lo... – disse Maria, sem mais detalhes, desligando rapidamente o celular.
Fred baixou a cabeça e, ainda com a mão estampando o ferimento, arfava e ao mesmo tempo expressava um sorriso falso, de derrota, tristeza...
- Então... É assim que acaba... – ele disse – Eu pensei que... Tudo ia dar certo... Que Aline iria ser salva... Que Eu e Thalita pudéssemos recomeçar nossas vidas juntos... Mas não... Tudo deu errado... Completamente errado...
- Aline é a minha filha – Maria disse, aproximando-se da garota inconsciente – Eu vou salvá-la, Fred... Vou salvá-la... E Thalita ficará bem... Eu te prometo...
Fred despejou-se totalmente ao chão, fechando os olhos, cansado, exausto... Enquanto Maria empurrava as duas macas onde as duas garotas, amigas, quase-irmãs...
Quase irmãs... Estavam de olhos fechados, sem saber o que estava acontecendo...
O local entrou em completo silêncio... O corpo de Carlos e Lucas manchavam o quarto de sangue... Fred tentava poupar suas forças para continuar vivo... E Maria salvaria sua filha e tomaria conta de Thalita...
Em algumas horas, inúmeros carros de polícia cercaram o lugar. Os policiais desceram com suas armas apontadas para a velha casa. O cheiro do lado de fora era insuportável...
Vasculhando pela floresta, os policiais encontraram o local onde os corpos das vítimas eram jogados: Um mar de morte, de corpos jogados e empilhados um em cima do outro, com milhares de moscas saboreando aquele maldito odor... Com vermes criando caminhos esburacados entre as peles dos mortos... Parecia um inferno...
Dentro da residência, eles encontraram os corpos de Lucas e Carlos. Depararam-se com Fred inconsciente e o mar de sangue sobre o lugar... As paredes sujas... O ambiente horrível, com mal cheiro...
Lamentaram a morte de um grande e valioso tenente da cidade de São Paulo... E sentiram-se satisfeitos por encontrarem um dos assassinos e filho de Marcos.
No entanto, uma questão ainda pairava no ar, e eles continuavam a se perguntar intrigadamente:
Onde estavam os corpos de Aline e Thalita?
Essa era uma questão que jamais seria respondida e descoberta pela polícia de São Paulo...
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