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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Zelador


A noite prometia muito frio. A cerração cobria toda a cidade de São Paulo que mais parecia deserta. Ninguém andava pelas ruas. Os faróis dos automóveis eram as únicas luzes que iluminavam a pista sombria que, ao redor, não continha moradia, nem comércio. Absolutamente nada. Somente uma área florestal aparentemente pacata e assustadora. Lugar ideal para refúgio de psicopatas, estupradores e assassinos.
Mary desceu do ônibus, que havia parado em um ponto no meio da pista esbranquiçada pelo nevoeiro, e começou a caminhar pela calçada. Para chegar à sua casa, ela precisaria andar por mais ou menos um quilômetro. Dormira no ônibus e acabara desembarcando dois pontos depois do seu. Vinha da faculdade.
O vento soprava leve, mas frio. Os carros que passavam eram a única companhia da jovem de dezenove anos. Ela apressou o passo, pois passava por um lugar certamente perigoso ainda mais àquela hora da noite. Mary olhou o relógio em seu pulso esquerdo: eram onze horas. O medo se manifestou.
Uma sensação desconfortável, um pressentimento. Ela sentia não estar sozinha. Outros passos podiam ser ouvidos, e não vinham de seus pés. Olhando para trás nada ela enxergou, a não ser a cerração cada vez mais tensa e a silhueta dos carros que passavam vez ou outra ao seu lado. Seus passos aceleraram, o coração bateu mais forte: Mary entrou em desespero.
Pôs-se a correr, apenas olhando para frente, mesmo sem saber o que estaria por vir. Seria sua imaginação? Apenas uma alucinação provocada pelo medo?
Quase fechou os olhos, pois a cerração interferia em sua visão. Acabou trombando contra um poste e caiu. Parou de ouvir os supostos passos; ficou tonta.
Levantou-se e novamente olhou para trás. Nada. Possivelmente fora vítima de uma alucinação.
Reflexos de luzes surgiram à sua frente. Luzes fortes, que neutralizaram parte da neblina. Mary avistou uma série de postes enfileirados e, do lado esquerdo, portões e grades que cercavam um lugar cercado por um insuportável silêncio. Um lugar que surtia uma sensação pesada e sobrenatural.
O gramado verde estava úmido pela cerração. Lápides de concreto, estátuas de santos e anjos personalizavam o lugar. Mary fitou as grades do portão e leu um letreiro não muito grande, mas onde se podia ver claramente a palavra Cemitério.
O medo aumentou, a ansiedade de ir embora fez seus batimentos cardíacos acelerem drasticamente. Aquela não era a primeira vez que ela passava por ali, mas, com certeza, seria a última.
Mary quis voltar a correr. Desistiu ao ver um vulto dentro do cemitério, caminhando entre os túmulos; ele vestia um capuz e levava um grande saco preto nas costas. Nada demais. Era apenas um funcionário do lugar que estava fazendo o seu trabalho diário.
Na verdade, seria apenas um homem qualquer se ele não estivesse fazendo um estranho ato que a deixou amedrontada. A garota se escondeu nas sombras, atrás de um poste. Após retirar uma pá do saco, ele começou a cavar um buraco que foi crescendo e se aprofundando com o retirar da terra.
De repente, algo dentro do saco começou a se mexer e a emitir estranhos gemidos.
Então, José o zelador deu uma série de chutes no estranho saco e, em questão de segundos, a coisa se aquietou. Mary colocou a mão na boca para não gritar. A curiosidade em saber o que tinha dentro do saco fazia com que ela não saísse do lugar, querendo descobrir qual seria o desfecho daquele terrível ato.
O homem jogou o saco dentro do buraco e passou a cobri-lo com terra.
Mary suava de nervosismo. Seu coração estava querendo sair pela boca. O mistério acabou-se quando, do saco, surgiu uma mão que se estendia para cima, tentando rasgar o resto do plástico para tentar escapar. Havia uma pessoa dentro daquela cova, e ainda estava viva.
A garota assustou-se, fechou os olhos, não se conteve e gritou. O zelador a viu. Mary correu, gritando por socorro. O homem foi em seu encalço.
Ela foi para o meio da pista para pedir socorro aos motoristas, mas ninguém parou para ajudá-la.
O pânico aumentou. Foi quando o psicopata surgiu por trás dela e a acertou com a pá, fazendo-a desmaiar.
Minutos depois, Mary abriu os olhos. O teto estava a poucos centímetros de seu nariz. Um lugar estreito, pequeno, sufocante, fechado, escuro. Ela mal conseguia respirar. Os batimentos cardíacos aumentaram, o cansaço tornou-se cada vez mais intenso. Ela tentou se debater no caixote de madeira, mas todos os seus atos foram em vão.
A jovem não sabia, mas estava dentro de um caixão, enterrado há mais de cinco metros de profundidade, com toneladas de terra esmagando-a. Sua morte era certa.
Na superfície, José caminhava para a saída do cemitério, com a pá nas costas. Seu expediente havia terminado.
Quantas pessoas ainda teriam de morrer para que o segredo de José Alves permanecesse intacto?
Até hoje, ninguém que esteja vivo descobriu a verdadeira identidade escondida em um serial killer que trabalha como um simples zelador em um cemitério na cidade de São Paulo.

Fim.
Escrito por Valdir Luciano - 2008

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