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segunda-feira, 2 de março de 2015

Verdadeiras Escolhas, As

Os minúsculos grãos de areia subiam e desciam, espalhando-se a cada passo delicadamente dado por pés pequenos e também frágeis. O tecido daquele vestido, branco como a nuvem, voava em direção contrária ao vento que soprava forte, fazendo os longos fios de cabelo dançar como se estivessem livres de qualquer que fosse a prisão. Os olhos brilhantes poucas vezes piscavam. Quando os fazia, lágrimas desciam em profusão ao mesmo tempo em que eram atingidas pelo reflexo do por do sol.
                Ondas vinham à beira e tentavam, a qualquer custo, puxar toda a areia, sujeira ou qualquer outra forma viva e morta que pudesse ser levada para dentro do mar. Katherine também queria ser levada. Para bem, bem longe. O mais longe possível de qualquer ser vivo que pudesse expor os seus sentimentos, suas emoções e opiniões. Qualquer ser humano que pudesse enxergá-la.
                Naquele momento, Katherine queria ser invisível e inaudível.
                - Eu, James Noah Rico, recebo-te por minha esposa. A ti, Katherine James, prometo ser fiel. Amar-te, respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida...
                Ela ainda podia ouvir, repetidas vezes, a mesma frase soar em seus ouvidos. Seus olhos conseguiam enxergar, através do horizonte no mar, o rosto delicado e cheio de alegria de James, enquanto colocava lentamente aquele objeto dourado em um de seus dedos esquerdo. O silêncio ecoando através da grande igreja. Os olhares emocionados daqueles que ali estavam presentes, celebrando o que deveria ter sido o melhor dia de sua vida.
                - Katherine – ela ainda conseguia ouvir a voz dele chamando-a com um baixo tom de medo e desespero, enquanto ela permaneceu calada naquela cerimônia – Katherine?
                Pudera ver suas mãos baixarem lenta e discretamente para o seu lado. Logo após, retirando a aliança de seu dedo e devolvendo-a para o homem que um dia sonhou ser seu marido.
                - Eu sinto muito – ela disse naquele dia – James, eu sinto muito.
                Sentiu, tentou sentir, a dor que atingira o peito de James no momento em que as palavras do homem não foram correspondidas. No momento em que todos os seus planos para o futuro com sua amada já não eram mais alcançáveis.  O momento em que todo aquele castelo de esperanças havia desabado.
                James ajoelhou-se frente à Katherine, de cabeça baixa, rendendo-se ao que estava acontecendo. Talvez entendesse a situação de que o que ele, sua família e a família de sua noiva queriam não era o que ela realmente queria. Talvez entendesse o verdadeiro significado da felicidade conjunta, no qual duas pessoas somente conseguiriam ser felizes se o amor realmente existisse entre ambas, independente dos desejos e propósitos familiares.
                - Katherine – James ergueu sua cabeça para a moça com um tímido, mas sincero, sorriso – Seja feliz.
                Katherine, em meio às lágrimas choradas, conseguiu entender a que aquelas simples palavras se referiam. Encarou-o com amor e ternura, fazendo um tímido sorriso transformar-se em uma resplandecente expressão de alivio e esperança.
                - Obrigada – ela disse, por fim, tão logo se virou e correu em meio aquela multidão espantada pelo repentino acontecimento.
                 Seus pés desceram rapidamente as escadarias da igreja. O som ecoante do mar e suas ondas debatendo-se entre as rochas puderam ser ouvidos. Gaivotas sobrevoando sobre o azulado céu numa manhã de domingo.  O cheiro puro do ar fresco soprando contra a direção da mulher...
                O medo me fortalece.
                Ele me faz temer o que pode acontecer, mas também me faz refletir o que poderá ser evitado e o que poderei superar se enfrentá-lo. E então, uma voz dentro de mim diz que eu vou ficar bem.
                Eu acredito. Enfrento os meus temores. Sinto-me melhor e me encorajo a tentar superar mais uma vez, e outra vez. E outra vez.
                Então percebo que enfrentar todos os meus medos poderá levar-me ao caminho da felicidade. E num piscar de olhos, o medo se vai...
                Katherine abriu os olhos e encarou o caminho à sua frente, em meio à praia, o mar, os grãos de areia. Todas aquelas lembranças recentes agora faziam sentido. E o verdadeiro sentido de sua vida estava há poucos metros à sua frente.
                Não deixe o medo de errar impedir que você tente.
                - Mãe, eu preciso te contar – lembrou-se Katherine, momentos depois de descer as escadas da igreja.
                Não deixe a verdade omitida em seu coração para sempre.
                - Eu... – ela ouviu dentro de si mesma as palavras que lentamente saíram de sua boca, enquanto sua mãe ouvia com olhos ardentes em lágrimas.
                Ao mesmo tempo em que as lembranças eram constantes, Katherine se aproximou da pessoa que observava o horizonte do mar, em pé à beira da praia, deixando as ondas ir e virem, levando toda a sujeira ao seu redor.
                A verdade é a única maneira...
                Katherine a abraçou e, então, Lisa virou-se para encará-la. As duas se beijaram frente ao mar. Um redemoinho soprou levemente sobre as duas, jorrando pequenos grãos que se suspenderam do chão.
                - Eu sou lésbica – ela disse à mãe.
                É a única maneira de sermos livres e felizes.
                Os raios solares refletiram sobre os sorrisos expostos naquelas mulheres. As gaivotas cantarolavam acima delas. E então Katherine, finalmente, conseguiu entender o verdadeiro significado da felicidade.
                Acredite que o amor é a única certeza de sermos felizes. E a verdade é a única certeza do amor.
                Seja você mesmo, e o mundo também será ele mesmo com você.


Fim


Valdir Luciano, 2014