Os minúsculos grãos de areia subiam e desciam, espalhando-se
a cada passo delicadamente dado por pés pequenos e também frágeis. O tecido
daquele vestido, branco como a nuvem, voava em direção contrária ao vento que
soprava forte, fazendo os longos fios de cabelo dançar como se estivessem
livres de qualquer que fosse a prisão. Os olhos brilhantes poucas vezes
piscavam. Quando os fazia, lágrimas desciam em profusão ao mesmo tempo em que
eram atingidas pelo reflexo do por do sol.
Ondas
vinham à beira e tentavam, a qualquer custo, puxar toda a areia, sujeira ou
qualquer outra forma viva e morta que pudesse ser levada para dentro do mar.
Katherine também queria ser levada. Para bem, bem longe. O mais longe possível
de qualquer ser vivo que pudesse expor os seus sentimentos, suas emoções e
opiniões. Qualquer ser humano que pudesse enxergá-la.
Naquele
momento, Katherine queria ser invisível e inaudível.
- Eu,
James Noah Rico, recebo-te por minha esposa. A ti, Katherine James, prometo ser
fiel. Amar-te, respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
todos os dias da nossa vida...
Ela
ainda podia ouvir, repetidas vezes, a mesma frase soar em seus ouvidos. Seus
olhos conseguiam enxergar, através do horizonte no mar, o rosto delicado e
cheio de alegria de James, enquanto colocava lentamente aquele objeto dourado
em um de seus dedos esquerdo. O silêncio ecoando através da grande igreja. Os
olhares emocionados daqueles que ali estavam presentes, celebrando o que
deveria ter sido o melhor dia de sua vida.
-
Katherine – ela ainda conseguia ouvir a voz dele chamando-a com um baixo tom de
medo e desespero, enquanto ela permaneceu calada naquela cerimônia – Katherine?
Pudera
ver suas mãos baixarem lenta e discretamente para o seu lado. Logo após,
retirando a aliança de seu dedo e devolvendo-a para o homem que um dia sonhou
ser seu marido.
- Eu
sinto muito – ela disse naquele dia – James, eu sinto muito.
Sentiu,
tentou sentir, a dor que atingira o peito de James no momento em que as
palavras do homem não foram correspondidas. No momento em que todos os seus
planos para o futuro com sua amada já não eram mais alcançáveis. O momento em que todo aquele castelo de
esperanças havia desabado.
James
ajoelhou-se frente à Katherine, de cabeça baixa, rendendo-se ao que estava
acontecendo. Talvez entendesse a situação de que o que ele, sua família e a
família de sua noiva queriam não era o que ela realmente queria. Talvez entendesse
o verdadeiro significado da felicidade conjunta, no qual duas pessoas somente
conseguiriam ser felizes se o amor realmente existisse entre ambas,
independente dos desejos e propósitos familiares.
-
Katherine – James ergueu sua cabeça para a moça com um tímido, mas sincero,
sorriso – Seja feliz.
Katherine,
em meio às lágrimas choradas, conseguiu entender a que aquelas simples palavras
se referiam. Encarou-o com amor e ternura, fazendo um tímido sorriso
transformar-se em uma resplandecente expressão de alivio e esperança.
-
Obrigada – ela disse, por fim, tão logo se virou e correu em meio aquela
multidão espantada pelo repentino acontecimento.
Seus pés desceram rapidamente as escadarias da
igreja. O som ecoante do mar e suas ondas debatendo-se entre as rochas puderam
ser ouvidos. Gaivotas sobrevoando sobre o azulado céu numa manhã de
domingo. O cheiro puro do ar fresco
soprando contra a direção da mulher...
O medo me fortalece.
Ele me faz temer o que pode
acontecer, mas também me faz refletir o que poderá ser evitado e o que poderei
superar se enfrentá-lo. E então, uma voz dentro de mim diz que eu vou ficar
bem.
Eu acredito. Enfrento os meus
temores. Sinto-me melhor e me encorajo a tentar superar mais uma vez, e outra
vez. E outra vez.
Então percebo que enfrentar
todos os meus medos poderá levar-me ao caminho da felicidade. E num piscar de
olhos, o medo se vai...
Katherine abriu os olhos e
encarou o caminho à sua frente, em meio à praia, o mar, os grãos de areia.
Todas aquelas lembranças recentes agora faziam sentido. E o verdadeiro sentido
de sua vida estava há poucos metros à sua frente.
Não deixe o medo de errar impedir que você
tente.
- Mãe, eu preciso te contar – lembrou-se Katherine, momentos depois
de descer as escadas da igreja.
Não deixe a verdade omitida em seu coração
para sempre.
- Eu... – ela ouviu dentro de si mesma as palavras que lentamente
saíram de sua boca, enquanto sua mãe ouvia com olhos ardentes em lágrimas.
Ao
mesmo tempo em que as lembranças eram constantes, Katherine se aproximou da
pessoa que observava o horizonte do mar, em pé à beira da praia, deixando as
ondas ir e virem, levando toda a sujeira ao seu redor.
A verdade é a única maneira...
Katherine a abraçou e,
então, Lisa virou-se para encará-la. As duas se beijaram frente ao mar. Um
redemoinho soprou levemente sobre as duas, jorrando pequenos grãos que se
suspenderam do chão.
- Eu sou lésbica – ela disse à mãe.
Os raios solares refletiram
sobre os sorrisos expostos naquelas mulheres. As gaivotas cantarolavam acima
delas. E então Katherine, finalmente, conseguiu entender o verdadeiro
significado da felicidade.
Acredite que o amor é a única certeza de sermos
felizes. E a verdade é a única certeza do amor.
Seja você mesmo, e o mundo
também será ele mesmo com você.
Fim
Valdir Luciano, 2014