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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Medo da Noite

Baseado em fatos reais.

Prólogo:

Noite.
O portal para a escuridão.
O momento exato onde nossos olhos se fecham e nossos medos acordam...


Capítulo 1 –

                -... E o príncipe salvou a princesa dos ladrões e eles viveram felizes para sempre – disse Marisa, finalizando aquela história que contara ao seu filho, Júnior –. E então, você gostou?
                - Não gostei, mãe! – exclamou o garoto, insatisfeito com o desfecho daquele conto – A história é chata e eu odeio finais com ‘felizes para sempre’. E não tinha nenhuma parte de terror. Nem deu medo!
                Sua mãe sorriu, fechando o pequeno livro infantil e cobrindo o menino com um lençol de algodão.
                - Você tem apenas oito anos e este livro é para a sua idade. Então, não reclame. Quando estiver mais velho poderá ler até os livros de Stephen King.
                - Quem é ele?
                - Não importa – disse ela, beijando-o na testa –, durma com os anjos e cuidado com o bicho papão.
                Júnior sorriu e disse confiante:
                - Bicho papão não existe, mãe!
                 - Bem, contanto que você não olhe embaixo da cama – brincou e, em seguida, apagou as luzes e fechou a porta.
                Por um breve momento, Júnior sentiu certo frio no estômago, pois não gostava de dormir com a luz apagada – mesmo que nunca tenha admitido à Marisa. O escuro lhe dava a estranha impressão de que o quarto ficava maior e sem saída, e ele jamais se moveria naquela escuridão.
                Eu não posso ter mais medo do escuro. Eu já sou grande, pensou ele, encorajando-se a dormir tranquilamente. Tudo o que tinha que fazer era ligar a televisão de seu quarto, colocar no canal infantil e assistir até cair no sono. E foi o que ele fez.
                Não demorou muito e o controle remoto escapou de suas mãos:
                Ele já estava dormindo.


Capítulo 2:

                Seus escuros e grandes olhos se abriram de repente: Ele ouviu algo. Não sabia o que era, mas algum barulho o despertara daquele sonho com o Naruto.
                Júnior não estava ouvindo absolutamente nada. O silêncio era tamanho que chegava a incomodar os ouvidos. Seus olhos buscavam atentamente o teto branco, procurando por qualquer som que ecoasse sobre aquele quarto.
                Alguns sons podiam ser ouvidos sobre aquela cama: O som das ruas.
                O barulho do motor do ônibus, rugindo, os passos de salto alto de mulheres que voltavam dos mais variados tipos de trabalho; de bêbados cantarolando desafinadamente pelas calçadas até serem barrados pela polícia, ou apedrejado pelos vizinhos sonolentos.
                De certa forma, tudo aquilo confortava Júnior. Eram típicos barulhos da noite que ele estranharia se não os ouvisse.
                Ela olhou para a televisão: A programação estava fora do ar, emitindo aquele irritante barulho de chiado. O garoto procurou o controle remoto em seu colo, em sua cama, embaixo dos lençóis: Não os encontrou.
                Naquele instante, o sono já se afastara de sua mente e os seguintes acontecimentos o deixou intrigado: O miar sofrido dos gatos – que cambaleavam sobre os muros residenciais; o forte latido dos cães que, de vez em quando, avistavam pessoas passando pelas ruas, gatos, ou até mesmo seres invisíveis aos olhos humanos – dizem que animais possuem sexto sentido...
                O barulho da TV o irritava cada vez mais. Porém, levantar-se da cama e caminhar até o aparelho era um caminho muito, muito longo para Júnior. Ainda mais se sabendo o que poderia surgir no trajeto, pois o escuro é uma caixinha – negra – de surpresas.
                Um estranho vulto chamou a atenção em seus olhos, mas eles não queriam encontrá-lo e encaravam a televisão, mesmo sabendo que ‘a coisa’ estava se movimentando na janela.
                O coração pulsou mais rápido e Júnior voltou às pressas para debaixo das cobertas, enrolando-se até a cabeça, respirando com dificuldade. O silêncio do quarto proporcionava-lhe a experiência de ouvir os batimentos de seu coração. Seus olhos, por mais que tentassem, não queriam se fechar, pois Júnior sabia que a qualquer momento a ‘coisa’ poderia atacá-lo, e ele estaria pronto para se defender, atento, observando quase perfeitamente através da transparência do lençol fino.
                O chiado da TV continuava, mas o garoto acatou-o e o transformou em uma companhia sonora. Pelo menos ele não iria se sentir tão sozinho.
                De repente, o barulho parou. O silêncio desceu novamente àquele quarto, apenas deixando o soprar do vento cantarolar aos assobios pelo lugar.
                Júnior assustou-se. Quem desligou a TV? , questionou, enquanto respirava com a boca, pois as narinas já não eram os suficientes para arfar todo o ar requerido pelos pulmões, pois o seu coração estava drasticamente acelerado.
                O menino só conseguia imaginar o vulto pairando na janela, o espreitando para logo após levá-lo a Deus sabe onde.
                O vento dobrou sua força e um som de panos se rebatendo podiam ser ouvidos. Talvez a ‘coisa’ estava trajada a uma capa grande e negra que o cobriria, fazendo-o desaparecer para sempre. A imaginação de Júnior não tinha limites, nem o seu medo.
                Eu sou homem, pensou, papai disse que homens não podem ter medo de nada.
                Encorajado pelos conselhos de seu pai, ele se desenrolou numa questão de segundos e, rapidamente, olhou de frente para a janela. Não houve tempo de gritar, de xingar o monstro... Porque não havia absolutamente nada de sobrenatural ali – a não ser a velha cortina branca com bolinhas azuis que Marisa colocara há dois dias, mesmo sabendo que Júnior odiava branco.
                Ele, por sua vez, pudera respirar com calma. Voltou a deitar-se aliviado e refletiu que o monstro era a cortina, que se movimentava por causa do vento. Ele olhou para o canto esquerdo de sua cama e avistou o controle remoto no chão, com um boneco do Naruto pressionando o botão ‘desliga’ do objeto: Mais um alívio. Ninguém – nem fantasmas, nem um ladrão - havia desligado a TV, nem ela desligara sozinha. Talvez o vento da janela tivesse empurrado o boneco da garota ao lado da cama, fazendo-o cair exatamente em cima do botão de desligar do controle remoto. As coisas pareciam estar se encaixando e, de tanto refletir sobre aqueles cômicos acontecimentos, Júnior voltou a cair no sono. Parecia que as sessões de mistérios da noite finalmente haviam acabado.
                Ele dormiu.


Capítulo 3:

                Júnior acordou novamente, independente de sua vontade. Abriu os olhos e sua aparência era um tanto estressada. Não era para menos, já era a segunda vez que despertava do sonho com o Naruto, e isso o já estava irritando.
                Porém, ele não acordara por barulho algum, ou por medo, mas, sim, por necessidade: Estava com vontade de fazer xixi. E mesmo que não quisesse levantar-se da cama, não havia alternativa: Ele teria que ir ao banheiro.
                Àquela hora da madrugada já não se ouviam mais barulhos – nem mesmo os das ruas. Parecia que os cachorros finalmente se cansaram de latir, os gatos de miar e todas as pessoas estavam realmente dormindo. Isso tudo era bom para o garoto. Porém, agora ele não tinha mais companhias – nem sonoras, nem humanas...
                Júnior fechou os olhos e tentou pensar em algo para sonhar, mas apenas conseguia imaginar as palmadas que levaria de sua mãe se acordasse de manhã com o colchão molhado de urina. O aperto na bexiga aumentava e ele não teve escolha:
                Júnior levantou-se da cama.
                A princípio, ele correria em direção ao banheiro, mas à noite o caminho parecia ainda mais longo, e ele temia deparar-se com algo inesperado.
                Seus olhos reviravam o quarto: Cada objeto parecia ser um monstro naquele escuro. As cortinas flutuavam através do vento, os bonecos nas prateleiras criavam enormes sombras nas paredes – que pareciam se mexer – por causa da luminosidade das ruas. E a porta...
                A porta. Inimiga número ‘UM’ do garoto. Era o seu grande medo, pois não se sabia o que poderia haver por trás. Alguém poderia estar espreitando-o, esperando o momento certo para levá-lo Deus sabe onde.
                Àquela altura, era difícil sentir tanto medo quando o maior temor de Júnior era molhar o pijama branco com bolinhas azuis.
                Rapidamente, ele correu a pés descalços em direção a porta.
                Sua mão tocou levemente à fechadura e seus dedos giraram o trinco: A porta destrancou-se e, ao mesmo tempo, os bonecos da prateleira caíram ao chão numa reação em cadeia.
                Os olhos de Júnior sobressaltaram. O terror tocou em sua mente, abrindo a mais medonha imaginação que ele podia ter.
                Quem derrubara os bonecos? Uma força física? Ou invisível?
                As questões tomavam sua consciência, enquanto seus olhos se fecharam e proibiram-no de avistar qualquer fenômeno daquele quarto.
                De repente, o som de panos se rebatendo novamente. Júnior tinha certeza de que era a cortina e quando seus olhos abriram curiosos, observaram a mesma flutuando alto, tão alto que tocava as prateleiras, tentando arrastar tudo o que houvesse de solto pro ali. Por certo, já havia arrastado.
                Júnior olhou para os bonecos ao chão e, logo em seguida, às prateleiras: O alívio. Não fora nada demais, apenas um ato do vento e a força física. E mesmo que ele não soubesse nada de física, sabia que não haveria de se preocupar. Contudo, fora apenas o vento.
                Ele arfou. Estava mais calmo, e isso o encorajou a puxar a porta rapidamente, sem frescuras.
                Ao abri-la, deparou-se com um mar de escuridão infinito: Um vago e extenso corredor enfeitado de quadros nas paredes. Quadros de pintores. Pintores falecidos...
                O frio no estômago retornou com sobrecarga e Júnior engoliu em seco, enquanto decidia: Se arriscar e caminhar naquela passagem negra e medonha, ou voltar para a cama e urinar no colchão?
                As palmadas da mamãe doíam mais do que seu medo do escuro: Ele resolveu continuar.
                Com olhos arregalados e atentos, Júnior começou a caminhar pelo corredor, deixando a porta de seu quarto aberto – no caso do ‘monstro’ aparecer e ele precisar voltar correndo -. Os quadros nas paredes eram  assustadores à noite. Os rostos desfigurados pelos artistas deixavam a imagem com uma expressão de horror, maldade...
                Júnior odiava aquelas pinturas. Principalmente, a da Mona Lisa – que parecia sorrir demoniacamente para ele, aparentando seguir seus movimentos com os olhos, distorcendo-se no quadro. O garoto fazia questão de nem sequer observá-la.
                No lugar, havia duas portas: Uma ao lado esquerdo e outra no lado direito – que era o quarto de seus pais.
                Os passos dele eram lentos. Ele não queria correr e acordar, não somente os pais, mas os outros seres que poderiam estar escondidos entre aquela casa.
                O silêncio era profundo e não se ouvia nada. Ao passar pela porta de seus pais, ele sentiu-se seguro mas, ao girar sua cabeça para o lado esquerdo, deixou de respirar por alguns segundos, fazendo o suor escorrer de sua testa: Aquele era o quarto de hóspedes, vazio, quieto – quieto demais. Júnior tinha uma intuição de que alguém habitava aquele quarto. Alguém que ele não conhecia, e que não queria conhecer.
                A velocidade dos passos aumentou.
                O corredor parecia não ter fim. A visibilidade era pouca e a iluminação do lugar só poderia ser ligada através do quarto de seus pais. A respiração era forçada e o cabelo liso do garoto já estava molhado de tanta transpiração.
                Pouco a pouco, Júnior podia avistar a enorme porta do banheiro que estava quase alerta, dando-lhe a impressão de que já havia alguém lá.
                Desconfiado, ele entrou ao local escuro, batendo nas paredes para encontrar o plugin que ligava a luz. Para seu desespero, ele não encontrou, o que do deixou ainda mais amedrontado.
                A urina já estava pingando em seu shorts e Júnior não teve outra escolha a não ser urinar no escuro.
                Mesmo não enxergando nada, ele sabia que o vaso sanitário estava um pouco mais à frente. Deu alguns curtos passos a frente e abaixou a calça moletom de seu pijama: O líquido começou a sair e, logo, ouvia-se um som semelhante as águas corredeiras de um rio, ou uma torneira enchendo um balde vazio. Júnior estava sentindo o alívio percorrer o seu corpo e sair pelo órgão pequeno. Por alguns segundos, perdeu o medo e ansiedade. Fazer xixi estava sendo muito confortante para ele.
                Porém, de repente, o terror voltou em maior quantidade, fazendo seu coração saltar garganta afora: Júnior pressentiu uma silhueta humana passar rapidamente sobre os corredores... Uma silhueta branca, sem definições faciais e corporais... Como um pano coberto a um alguém...      
                Os olhos escuros cintilaram. A paralisação dos movimentos foi certa. A respiração foi bastante forçada e o medo de virar-se foi ainda mais torturante.
                Mas ele se virou. Encorajou-se e se virou.
                Não havia nada.
                Não havia ninguém.
                Medo. Ansiedade. Horror. Náuseas. Vertigem... Os sintomas tomavam o corpo daquela criança inocente e indefesa. Ele finalmente fizera suas necessidades. Percorrera todo aquele caminho para conseguir seus objetivos. Agora, o maior problema:
                Era voltar.
                A cabeça surgiu lentamente à espreita da porta do banheiro, observando o extenso, vazio e escuro corredor dominado por quadros.
                Andar.
                Correr.
                Apenas correr.
                Tudo o que ele tinha que fazer era apenas correr por todo aquele caminho reto, fechar a porta de seu quarto, pular na cama e cobrir-se. E tudo ficaria bem.
                Mas era algo muito difícil. Difícil, complicado e assustador.
                O coração pulsava fortemente, os olhos de Júnior analisavam cada centímetro do lugar, com receio de deparar-se com algo que não desejaria encontrar.
                De repente, o som tocou seus ouvidos.
                Um baixo som, ruído... Chiado.
                Um chiado de TV.
                De novo, pensou Júnior, olhando diretamente para o quarto. Mas o barulho não vinha do quarto, mas, sim, da sala...
                O garoto girou a cabeça para o outro lado do corredor, avistando a entrada da sala de estar, onde se podia avistar um pequeno brilho...
                Ele queria voltar. Queria voltar o mais rápido possível para o quarto. Mas a curiosidade o estava tomando cada vez mais. A curiosidade e o medo. O medo do que poderia ser. De quem poderia ser...
                Os passos foram lentos, calmos, em direção a sala...
                O barulho aumentava conforme ele se aproximava.
                A escuridão ainda era tamanha. O silêncio estava sendo quebrado.
                Sombras surgiam nas paredes da sala. Sombras de objetos...
                Por fim, Júnior chegou ao lugar desejado: Uma grande sala de estar, com um grande rack – estante – onde estavam guardados inúmeros DVDs, alguns brinquedos de enfeite e, no topo...
                A televisão... Ligada misteriosamente na estática, emitindo o assustador chiado... Iluminando aquele pacato lugar...
                Agora Júnior respirava pela boca. O medo estava verdadeiramente tocando seus calcanhares.
                Quem ligou a TV?
                Os passos aproximaram-no ainda mais do aparelho ligado. Aquela imagem sem cor, estática, era tão medonha quanto um filme de terror. O receio de que a qualquer momento alguém, algo, surgiria na tela o deixava amedrontado. O suor estava escorrendo de sua testa.
                O braço esquerdo esticou-se em direção a TV. Os dedos procuravam o botão ‘desliga’ do aparelho, mas não os encontrava. O corpo do garoto tremia como se o tempo estivesse frio e seco. E estava. O ar quente saia de sua boca e narinas.
                Por fim, ele encontrou o botão e o pressionou devagar.
                Antes que o aparelho desligasse, o alto e berrante som da jornalista surgiu e a imagem colorida estampou a TV repentinamente:
                - UMA MULHER FOI BRUTALMENTE ASSASSINADA NESTA MADRUGADA, NA CIDADE DE SÃO PAULO. SEU CORPO FOI ENCONTRADO HÁ POUCO TOTALMENTE ESQUARTEJADO. OS POLICIAIS ENCONTRARAM, NO LOCAL, UMA GRANDE FACA DE AÇOUGUEIRO E UMA CORDA  QUE, SUPOSTAMENTE, FORA USADA PARA ESTRANGULAR A VÍTIMA. O ASSASSINO AINDA ESTÁ FORAGIDO...
                As mãos elevaram rapidamente aos ouvidos, tampando-os. Júnior tentou evitar de ouvir aquela terrível e assustadora reportagem do jornal da madrugada. Eles mostravam o corpo da vítima, tampado apenas com um pequeno desfoque de edição. Mas aquilo era muito para um garoto de oito anos. Ele não podia suportar.
                Seus olhos estavam fechados e seus dedos fechavam fortemente os ouvidos, para que nada daquela reportagem entrasse em sua mente. Mas era tarde demais.
                Agora, ele não podia mais desligar aquele aparelho. O medo de ouvir mais reportagens sobre mortes o deixava totalmente com receio, virando-se de costas para a TV, deparando-se com o sofá, onde podia-se avistar  o controle remoto jogado na almofada. Não só o controle, como também um celular.
                O celular de seu pai que, há poucas horas atrás, estava assistindo o noticiário noturno, ficou com sono e fora dormir – esquecendo-se de desligar o aparelho.
                Júnior era muito novo para pensar naquela hipótese. Não queria retirar as mãos das orelhas. Então, a única coisa que pôde fazer foi correr. Correr. Correr bastante.
                Correr em direção ao extenso corredor que o levaria para seu seguro e calmo quarto.
                Porém, ao entrar naquele vazio corredor, deparou-se com algo que o fez querer urinar novamente... De medo:
                A porta de seu quarto estava fechada...
                Quem a fechou? Quem está lá? , seus pensamentos perguntavam. Seu corpo enchia-se de ar pelo arfar de ansiedade. Suas mãos esfregavam os braços, tentando aquecer-se daquele estranho frio da madrugada. O som do tele-jornal ainda podia ser ouvido, mas já não o assustava. O problema naquele momento era a questão que o estava assolando:
                Quem estava no quarto?
                Seus olhos encaravam friamente os quadros nas paredes. Ele não conseguiria caminhar pelo lugar se pensasse naqueles malditos objetos pendurados, com formas abstratas que o encaravam monstruosamente.
                Júnior respirou fundo, fixou seus olhares à porta e começou a cantarolar num sussurro:
                -... O céu... Resplandece ao meu redooor...
                Os passos começaram lentos. As mãos foram elevadas ao canto dos olhos, para que ele não enxergasse as laterais do corredor, que parecia não ter fim...
                -... Como as estrelas brilham entre as... Nuvens sem fim...
                Os pés eram colocados um à frente do outro em um ritmo devagar e angustiante. O coração pulsava tão forte que era possível ouvi-lo. O calor corporal o fazia suar drasticamente. A escuridão parecia dobrar-se de tanta densidade. Pouco a pouco, os efeitos sonoros da TV começavam a se dissipar, e o silêncio pairava sobre o estreito lugar.
                -... Só a verdade vai cruzar... Pelo céu azul...
                Júnior passou pela porta de seus pais, mas não olhou. Do outro lado, os quadros... Alguns estavam tortos, outros bem pregados...
                - E a verdade vai crescer dentro... De mim...
                De repente, um dos quadros tortos caiu diretamente ao chão, emitindo um incômodo barulho e estalo: Era o quadro de Mona Lisa.
                Júnior abriu a boca, assustando-se com um olhar de horror. O ar quente fluía de dentro e seu peito enchia e esvaziava-se de oxigênio. Porém, ele não se atreveu a olhar para trás: Continuou a percorrer o curto-longo caminho em direção a maléfica porta de seu quarto.
                E continuou a cantar:
                - Como um vulcão... Que entra e-em... Erupção...
                Os passos aumentaram de velocidade. A estranha sensação de que alguém espreitava por trás o deixava em transe.
                - Só a lava a espalhar... Meio a toda fúria...
                Por fim, suas mãos tocaram a fechadura...
                -... Do dragão.
                ... E abriu a porta.
                Não havia nada.
                O vento soprava forte e empurrava as cortinas que dançavam quarto adentro. Os vários brinquedos das prateleiras estavam caídos ao chão.
                O vento estava forte. Forte demais... A ponto de empurrar a porta em direção ao trinco.
                A respiração profunda de Júnior demonstrou a calma que tomou seu coração. Deu um meio sorriso. Porém, de repente, sentiu uma estranha sensação de desconforto que vinha por trás de si.
                Virou-se e avistou as várias sombras de luz que a TV criava, fazendo o corredor piscar e mover-se numa estranha ilusão de óptica.
                O medo voltou. O vento soprou em seus lisos cabelos. Um estranho som, de passos, parecia aproximar-se do corredor, vindo em direção aquele quarto.
                Júnior fechou a porta com toda a força, trancando-a e rapidamente correndo em direção a cama. Saltou, remexeu-se, pegou os lençóis e acobertou-se desesperadamente até a cabeça.
                Seus olhos fecharam. As pequenas palavras pareciam querer sair de sua boca – aparentavam ser uma reza -. Ele queria dormir. Queria dormir o mais rápido possível, mas não conseguia domar seus pensamentos, que criavam imagens ilusórias de estranhos vultos no corredor, vozes no quarto e quadros que criavam vida.
                Os receios, as ansiedades, os medos... Júnior já não estava agüentando mais toda aquela noite que parecia não ter fim.
                De repente, do lado de fora da residência – aparentemente nas ruas – um alto, berrante e desesperante som ecoou, entrando pela janela:
                - SOCORRRO!!!! AAAAAARGH!!! SOCORRO! Me ajudaaaaaaa!!!!!! AAAAAARGHHHHH!!!
                E então, Júnior explodiu-se em medo e choque. Levantou-se desesperadamente e correu em direção à porta do quarto de seus pais. Bateu, bateu, bateu forte, muito forte. Chutou...
                E sua mãe abriu. A aparência de sono estava exposta em seu rosto. O pijama rosa cobria seu corpo e os cabelos escuros estavam bagunçados.
                - O que foi, filho? – Marisa perguntou, um tanto estressada por ter de acordar àquela hora da madrugada.
                Olhando da direita à esquerda em movimentos repetitivos, Júnior disse aos anseios:
                - POSSO DORMIR COM VOCÊS, HOJE?!
                Em meio a estresses e sono, Marisa se deu conta de que seu filho tinha apenas oito anos, que ainda teria muitos medos, pesadelos, anseios... E que ainda dormiria algumas vezes com ela por alguns anos a mais. Achou completamente normal. Sorriu, acariciou-o na cabeça e disse:
                - Claro.
                E então, o colocou dentro de seu quarto e fechou a porta.
                E então, todo aquele alvoroço da madrugada pareceu se dissipar definitivamente. Porque talvez não houvesse alvoroço... Porque talvez fosse tudo imaginação de uma criança, que tem seus medos, dúvidas, anseios...  Mas que aprenderia, com o passar dos anos, a enfrentá-los da maneira certa.
                A imaginação do ser humano não possui limites...




Epílogo:
                Vinte e três anos depois.
                As batidas à porta eram fortes e assustadoras. Àquela hora da madrugada, era complicado e misterioso saber quem poderia ser.
                Marisa abriu a porta da residência e deparou-se com um homem, vestido a um pijama azul com bolinhas azuis, segurando um travesseiro. Estava com olheiras e sua aparência era um tanto sonolenta e assustada.
                - Posso dormir com vocês, hoje? - perguntou Júnior.


Fim.
Escrito por Valdir Luciano, 2011. 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A vida da Morte



            Eu mato.
            Mato. Não porque gosto, mas porque sou obrigado a matar.
            A minha ilustre e grande foice muito já ceifou. Ela é o portal entre a vida e a morte do pobre ser humano. Ela é a sentença. Ela é o fim do enorme ciclo de sobrevivência, o fim da carreira.
            Simplesmente, o fim de tudo.
            Através dela perfurei corações, atravessei artérias, eletrocutei, queimei, explodi...
            Através dela causei insuficiências cardíacas, degolações, atropelamentos, cânceres, AIDS, resfriados...
            Através da minha foice causei acidentes, puxei gatilhos, apunhalei, quebrei membros, amputei membros...
            Enfim... Através da minha foice, causei aquilo cujo nomeia o meu invisível ser:
            A morte.
            Eu mato.
            Mato. Não porque gosto, mas porque sou obrigado a matar.
            Mato sem prévio aviso, sem enviar cartas, bilhetes, e-mails, mensagens...
            Mato instantaneamente ao observar na lista a próxima pessoa a morrer.
            Não deixo despedidas, não permito que se despeçam... Simplesmente ceifo o coração e levo sua alma para descansar até o dia do juízo final.
            Não choro, não rio, não canto, nem danço. Apenas ceifo. Ceifo incansavelmente até que não haja mais seres nesse universo. Posso matar um, dois, três, dez, cem, mil, um milhão... Todos. Posso matar quantos humanos eu quiser, à hora que eu quiser...
            E ceifo. E o sangue não mancha as minhas vestes negras, porque a única coisa que levo na ponta de minha arma são as almas roubadas. E então as levo para um lugar... Desconhecido até por mim.
            Eu mato.
            Mato. Não porque gosto, mas porque sou obrigado a matar.
            Mas mesmo que não tenha sentimentos, sempre tive vontade de ser um humano. De respirar, de rir, chorar, comer, transar... E morrer...
            Eu não posso morrer, mas queria. Já tentei morrer, mas não sinto nada, não acontece absolutamente nada.
            Já apunhalei a foice em minhas vestes, mas o objeto some na escuridão e eu não sangro, não agonizo, não morro...          
            Eu queria morrer. Queria tanto morrer...
            Oh, Deus... Mestre Divino! Por que me escolhestes para matar? Por que me escolhestes para ser a encarregada de buscar as almas perdidas no mundo exterior?
            Por quê? Por quê? Por quê?
            Por que não me colocaste entre os seres vivos para respirar, para expressar sentimentos, para amar, para odiar, para salvar, para viver... Para morrer?
            Eu queria, eu quero morrer! Não importa como. Seja atropelado, assassinado, queimado, congelado, perfurado, doente... Apenas quero sentir as dores finais, fechar os olhos e abri-los em um novo mundo. Mundo esse que nem mesmo eu conheço.
            Deus... Eu faria de tudo para poder respirar o ar poluído da civilização humana. Faria qualquer coisa para nascer do ventre de uma mãe... E nascer, não importa em qual sexo. Faria tudo para engatinhar, andar, aprender a falar a língua deles... Faria o impossível para crescer, ir à escola, aprender a ler os códigos humanos... Faria qualquer coisa para chorar nas horas tristes, rir nos momentos engraçados, brigar e apanhar quando fosse necessário...
            Faria de tudo para conhecer um alguém, a pessoa certa que ficaria comigo até o fim dos meus dias na terra... Faria qualquer coisa para sentir o verdadeiro significado da palavra ‘AMOR’... Procriaria, teria filhos que continuariam a procriar de minha geração...
            Teria uma família.
            Enfim... Daria qualquer coisa para ser um ser humano e viver livremente... Até a morte.
            Ah... O que é isso? O que está acontecendo comigo?
            ...
            Meus olhos... Meus olhos... Meus fundos, negros e cintilantes olhos... O que é isso que está... Que sensação é essa? Que substância, líquido são esses que estão vazando dos meus olhos... Estão escorrendo lentamente...
            Que sensação... Triste... Gélida... Está ardendo aqui... Aqui abaixo das vestes... Entre o peito...
            Que dor é essa?
            Não. Não. Não! Não pode ser! Isso é... Isso é...
            Batimentos... Fortes batimentos... Fortes e dolorosos batimentos... Líquidos... Líquidos incessantes, doces e tristes... Não...
            Estou incrédulo... Isso que estou sentindo... Não deveria estar sentindo...
            Sofrimento. Dor. Tristeza.
            Coração.
            Lágrimas.
            Nada. Nada disso deveria estar se manifestando em mim. Eu não tenho alma... Eu sou um espírito que vaga a escuridão e luz, que paira sobre o infinito, o nada... Que é encarregado de buscar as almas para seus respectivos destinos...
            Eu sou a Morte! A Morte! Eu não tenho sentimentos. Não tenho sequer um coração!
            Eu não tenho.
            - Você tem...
            Essa voz... Essa incrível, Divina, Gloriosa voz...
            Que luz é essa? Está obstruindo toda essa escuridão... Uma luz forte, embranquecida... Que sensação boa, prazerosa, confortante...
            Senhor? Deus? Meu Lorde... Meu Mestre...
            ...
            O que está acontecendo, Senhor? Por que minhas vestes estão se dissipando com a escuridão? Por que minha foice está se desintegrando a pó? Por que essa resplandecente luz está vindo em direção a mim? Por que estou sumindo?
            Para onde essa luz irá? Para onde eu irei?
            Onde...?



            Dor. Gritos. Berros. Agonia...
            Choro. Um choro abafado. Um choro pequeno, comovente.
            Um choro de criança.
            As mãos do médico seguravam aquele perfeito recém-nascido de algumas gramas e poucos centímetros, que naquele momento engatinhava o início de uma vida inteira.
            - É um milagre... – o cirurgião disse emocionado, com olhos brilhantes direcionados àquela batalhadora mãe.
            - Não – ela contradisse com graça e alegria na voz –. Foi Deus quem fez isso... Ele me prometeu... E cumpriu a promessa...
            Aquela mulher, então, segurou aquele pequenino ser humano que chorava incansavelmente... Ela sorriu e chorou ao mesmo tempo, e sussurrou ao menino:
            -... Você é o filho que eu tanto sonhei... Renan...
            Renan – significa: Renascido em Deus.
            Vitória, até a alguns meses atrás, era uma mulher com diagnóstico de infertilidade. Não podia engravidar. Jamais teria um filho.
            Ela rezou. Pediu a Deus que lhe desse um filho. Deus lhe prometeu.
            E então, a promessa fora cumprida.
            Renan de Souza – um menino que não fora planejado... Mas que, de algum lugar no universo, fora escolhido por Deus para nascer daquele ventre, do ventre de uma mulher que nunca perdera as esperanças... Esperanças de que o momento chegaria... O momento em que um ser nasceria de suas narinas...
            Renan. De onde viera? Onde estaria antes de seu nascimento?
            Onde os bebês estão antes de entrarem no ventre das mães?
            Onde estão?
            Ninguém sabe...
            Porém, Renan sabia... E mesmo sendo um recém-nascido, sua mente lembrava-se aos poucos de onde viera... Da escuridão... Do infinito, do nada... Do mundo interior.
            Ele cresceria. Sim. Cresceria saudável, ficaria doente em algumas vezes, choraria, entristeceria, sorriria, namoraria, se casaria, teria filhos, seria avô... E morreria...
            E durante esse processo, aos poucos esqueceria como viera àquele mundo dos humanos... Porque os próprios jamais entenderiam os motivos pelo qual ele nascera...
            E então, ao morrer, a alma de Renan teria seu desejo realizado: Teria vivido até o último dia que lhe restasse, fecharia o ciclo humano e voltaria de onde veio...
            Quem é a morte?
            Quem?
            Como ela é?
            Como?
            Não sabemos, jamais saberemos.
            Ela pode estar entre nós, com nós... Ou, então, poderá ser uma de nós... Porque não sabemos se ela vive, ou está morta, se respira, se chora, se ri... Não sabemos...
            A morte é um mistério. Talvez ela já tenha vivido entre nós. Talvez ainda viva...
            Não importa como, seja em carne ou osso... Em alma e espírito... A dona Morte sempre nos espreitará, com sua grande e afiada foice, esperando pelo momento certo em que nos ceifará e nos levará para o mundo do além... Um mundo ainda desconhecido pelos vivos... pelos mortos e pela Morte...
            Morte. Não é homem, nem mulher... É um espírito perdido no mundo...
            Ela mata. Não porque gosta, mas porque é obrigada a matar.
            A morte faz parte da vida.
            A vida – quem sabe – já fez parte da morte...

Fim.
Escrito por Valdir Luciano, 2011
           
            

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Saudações, escritores e leitores!

Há quanto tempo, em!
Dois anos? Três?
rsrs...

Por incrível que pareça: Três meses. Três meses sem postar nada além da continuação do famoso terror: Quer Teclar Comigo?. E o tempo passou, passou, eu terminei a história... E aqui estamos.

Percebi a ausência de muitos escritores e leitores que rondavam o Blog no início. Claro. A culpa é toda minha, pois se não sumisse por esses últimos messes o lugar estaria mais cheio do que está - 79 seguidores para mim já é muito cheio rsrs...

Nesse tempo em que fiquei ausente, muitas coisas aconteceram. Eu fiz meus dezoito anos e entrei para um novo grupo de seres vivos: O grupo dos que precisam correr na vida para procurar emprego, se sustentar, ajudar a família e seguir os sonhos - nessa época os sonhos ficam ainda mais difíceis de se realizar, pois o tempo encurta e as esperanças logo se dissipam dos nossos olhos. Mas eu ainda tenho fé...
Fé de que conseguirei atingir meus objetivos e o meu sonho que, a quem vem sempre aqui conhece: Ser um escritor reconhecido.

Porém, agora que estou de volta - se estou aqui, por certo ainda não consegui emprego - a pergunta é: O que farei? Que história, conto, crônica, romance, ou qualquer outra coisa que envolve escrita postarei aqui à vocês?

Eu poderia postar a continuação da minha crônica: Confissões de um Escritor - O nascimento.  Mas não poderia, pois esta seria a minha primeira obra que eu publicaria como livro. Então, não poderei continuar a postar aqui, senão vocês já saberiam de tudo e jamais comprariam um livro meu.

Poderia eu postar um romance vampiresco que tenho aqui na gaveta, mofando nas folhas... Mas não. Já li e vocês também já leram muito sobre vampiros. Está - e é - cansativo.

Terror. rsrsrs
Ah, como eu adoro terror. Tenho tantas histórias de terror guardadas aqui que... Sério, não sei quais postar primeiro rsrs.

Acho que os contos de horror serão os próximos a serem postados para a degustação de vocês. Espero que estejam prontos para ler - se ainda houverem leitores por aqui. Está tão vazio esse lugar que me sinto no Texas, nas épocas passadas, sozinho, com o Leatherface me espreitando para me matar com uma serra elétrica.

Passei aqui hoje só para avisar que eu voltei - assim como o exterminador do futuro sempre retorna, como o Chucky sempre volta... Não sou imortal, mas me recuso a morrer - ou me recuso a deixar esse Blog no vácuo rsr...

Espero que estejam por aqui nos próximos dias. Os contos estão melhores, bem mais desenvolvidos e melhor escritos.

Por hoje é só. Até mais, meus queridos leitores e escritores.


EU VOLTEEEEEEEIII!!!!!!!!


OBS: Esqueçam a Vitória - se ainda se lembram dela rsrs -. Está cursando e tão cedo voltará a postar suas dicas por aqui....

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Quer Teclar Comigo novamente? (11) FINAL



Capítulo 11 – Final

            Tempos depois.

O caso parecia estar completamente solucionado: Fred voltara para prisão ao lado de seu pai, Marcos Oliveira; As mortes através da internet pareciam finalmente ter acabado. E tudo voltou ao normal...

Porém, as questões sobre o desaparecimento de Aline e Thalita continuavam em pés. Mas a polícia resolveu deixar o caso como ‘solucionado’ e esquecer aquela parte do quebra-cabeças. Nunca, até hoje, encontraram os supostos corpos delas.

           Aline e Thalita... 

          Onde estariam?
            O lugar era pequeno, estreito, escuro... Iluminado apenas pelo brilho do monitor de um computador, onde podia-se avistar um site com várias pessoas unidas... Uma sala... 

Uma sala de bate-papo...

Os dedos preenchiam as teclas da máquina, enviando mensagens àqueles internautas totalmente inocentes, que às vezes pensavam estar teclando com uma garota, com um garoto, com intuitos hormonais... Intuitos sexuais, relacionamentos... Mas nem ao menos suspeitavam da pessoa por trás daquela telinha de computador...

Uma pessoa que, aparentemente, era inofensiva, inocente como todas as outras... Mas com intuitos bastante diferentes... Um intuito de matar... Matar para salvar...

Salvar a filha...

Uma filha...

Aline...

Maria teclava constantemente ao computador, enviando convites aos internautas. Estava passando-se por um garoto de vinte e dois anos, usando uma fotografia falsa de um modelo desconhecido. As pessoas não suspeitavam e conversavam com ela, criando pequenos laços de amizade, que mais tarde se tornariam mais fortes... Até que lhe entregassem os seus endereços residenciais... Para que o intuito de Maria desse certo:

Conseguir um coração...

Um novo coração para a sua filha amada: Aline Franco de Almeida, que respirava por tubos de oxigênio, deitada a um leito não muito confortável, encontrado naquele pequeno quarto escuro...

O tempo estava se esgotando, mas Maria ainda tinha esperanças... Esperanças de que encontraria o coração perfeito para salvá-la... E estava disposta a matar à todos para dar a vida à sua filha...

Estava disposta a matar à todos... Com exceção de Thalita Andrade.

Thalita Andrade, a garota que tanto sofreu no passado, filha de pai um pai assassino – Marcos – e irmã de um bandido – Fred -. A única que se salvara de tudo aquilo, cujo seu verdadeiro paradeiro ainda era desconhecido pelos policiais...
            Maria tinha um grande motivo para não matar Thalita e salvar Aline. Um grande e misterioso motivo que talvez jamais seria revelado...


Os batimentos cardíacos de Aline eram estáveis... Maria continuava a teclar e dizia em voz baixa:

- Eu vou salvá-la, filha... Eu juro por Deus... Você vai voltar a viver... Eu prometo...

De repente, seu celular começou a vibrar em cima da mesa do computador. Ela atendeu:

- Alô? – disse Maria.

- Vadia... 

Ao ouvir tal voz, Maria o reconheceu e disse com desprezo:

- O que você quer?!

- O que eu quero? (...) O QUE EU QUERO? EU QUERO SAIR DAQUI, SUA PUTA!! – exclamou Marcos Oliveira, o pai de Fred e de Thalita Oliveira de Andrade, que ligava da agência penitenciária - ME TIRA DAQUI, SUA CACHORRA! ME TIRA!

- Você está em prisão perpétua, seu idiota! Eu não posso fazer nada, e mesmo que pudesse jamais faria! A minha vida está muito melhor sem você! Thalita está feliz aqui! Eu contei tudo à ela. Toda a verdade! Você se fodeu, seu idiota! Se FODEU!

- FILHA DA PUTA!! – exclamou Marcos com toda a sua raiva.

Ele pensou em dizer as palavras seguintes aos berros...

Mas parou e pensou muito... Os policiais não poderiam saber daquilo...

Aquilo...
            Aquilo que, se contado, resolveria todo aquele caso... E responderia às questões ainda não respondidas da polícia de São Paulo...

Então, aos sussurros baixos, Marcos disse num tom de ameaça:

- Eu juro... Juro por tudo que é mais sagrado... Que se você não der um jeito de me tirar daqui... Eu contarei toda a verdade aos policiais... Contarei que você e eu somos casados... Que você é a mulher com quem eu casei no passado... Que eu não a matei... Que tivemos filhos... Três filhos... E que eles se chamam: Fred Oliveira... Thalita Oliveira de Andrade e...

‘... Aline Franco de Almeida Oliveira...

Sim.

Aline Franco de Almeida Oliveira... Ela também era mais uma filha de Marcos Oliveira... Que por todos esses anos foi casado com Maria Franco de Almeida... Que esconderam por todos esses anos seus paradeiros, suas verdadeiras identidades, suas mais profundas verdades...

A pessoa que há anos atrás Marcos matara fora apenas mais uma de suas dezenas de vítimas...

Segredos... Obscuros segredos... Que agora estavam sendo desvendados...

Um grande segredo que há tanto tempo ficou em sigilo...

O segredo de que: Aline e Thalita eram irmãs de sangue...

Ao ouvir tais ameaças, Maria exclamou:

- VÁ PARA O INFERNO!
            E desligou o aparelho, jogando- contra a parede, fazendo-o despedaçar-se para que Marcos jamais voltasse a ligá-la e ninguém soubesse sua localização...

Ao mesmo tempo, a porta do escuro quarto abriu-se e a silhueta de uma garota surgiu arrastando algo... Alguém...

Uma pessoa... Uma vítima...

- O que aconteceu, mamãe? – Thalita perguntou ao observar aquele celular destruído e a aparência assustada de Maria.

- Nada... – ela respondeu, tentando reprimir os acontecimentos que há pouco aconteceram – Você... Você trouxe?

- Sim – Thalita disse entusiasmada e desprendeu-se da vítima que estava arrastando. Aparentava ser uma garota de dezesseis anos, que estava inconsciente – Será que vamos conseguir dessa vez? Vamos mesmo salvar a Aline?

Levantando-se e sorrindo, Maria assentiu. Aproximou-se de Aline, alisou seus escuros cabelos e disse:

- Vamos sim... Vamos salvar sim, minha filha... Eu prometo... E se essa garota não for ideal, continuaremos a procurar pela pessoa perfeita, com o coração perfeito... Eu juro...

O abraço foi constante e apertado.

Thalita segurou a mão de Aline, dizendo suave e carinhosamente:

- Aline... Eu juro... Vamos te salvar... E vamos ser as melhores irmãs do mundo... Eu sempre soube que tínhamos algo em comum... Que éramos iguais... Agora que sei de tudo, farei o impossível, matarei quantas pessoas precisar para poder salvar a sua vida... Minha irmãzinha...

Após aquelas palavras, Thalita afastou, sentou-se à cadeira em frente ao computador e escreveu à sala de bate papo para todos os internautas:

Quer Teclar Comigo?
            Thalita e Maria continuariam a buscar pela pessoa perfeita que houvesse o coração compatível com o de Aline Franco de Almeida Oliveira...

Continuariam a enganar as pobres pessoas inocentes, enviando-lhes convites chamativos, usando fotografias falsas de modelos com boa aparência... Enviando e Pedindo-lhes endereços residenciais com a máscara de inofensivas ovelhas, mas que por trás são perigosos lobos famintos... Famintos por morte e violência...

Sexo, amizades, namoros, relacionamentos...

Pobre das pessoas que confiam toda a sua vida aos estranhos, dando-lhes informações pessoais, tentando encontrar a alma gêmea, satisfazer seus hormônios ou simplesmente criar amizades... Sem saberem que por trás daquela telinha de computador pode haver mais do que uma simples pessoa inocente... Que não quer apenas amizade, sexo, ou um bom relacionamento... Mas que pode querer algo que está dentro de você e que, se retirado, poderá acabar com a sua vida...

Eles não medirão esforços, nem possibilidades, para chamar mais e mais vitimas, que caem em um simples, chamativo, e fatal convite:

        “
Quer Teclar Comigo?

            Fim.
            Escrito por Valdir Luciano, 2009.

Quer Teclar Comigo novamente? (10)





Capítulo 10 –

                Um estrondo. Um tiro. Sangue escorrendo em profusão.
                Uma agonia. A agonia. Os lábios de Lucas estavam manchados como se tivesse acabado de beber uma garrafa de vinho. Os olhos vidrados, quase brancos, estavam observando o ser que entrara pela porta e que segurava uma arma. A arma que fora disparada repentinamente em seu peito, em seu coração.
                - Você queria um coração para Thalita – disse a pessoa que entrara pela porta – Agora você é quem precisa de um.
                Lucas elevou sua mão direita ao lado do peito esquerdo, olhou para Aline com tristeza e disse lentamente:
                - Me... Me perdoa... Meu amor...
                E então, o garoto desabou ao chão com os olhos abertos. E assim permaneceu.
                Fred ainda agonizava com a punhalada que levara nas costelas, mas seu maior medo – além de morrer – era ser preso novamente. Porque o ser que estava à sua frente, apontando a arma diretamente em sua cabeça, era nada mais nada menos que Carlos Henrique, o destemido policial que aparentava ter sete vidas e se recusava a morrer naquele lugar.
                - Você não morre, não? – Fred perguntou com ênfase num sorriso torto. Naquele momento já não se preocupava tanto em estar naquela situação, pois já sabia que não ia se dar bem.
                - Seu desgraçado – Carlos sussurrou quase sem forças. Suas vestes estavam rasgadas, sujas e repletas de mato, grama e alguns pequenos galhos secos. O cansaço era evidente e os ferimentos tomavam sua testa e seu braço esquerdo – Você me enganou, seu filho da puta... Eu vou matar você... Vou matar você... VOU MATAR VOCÊ!
                Fred continuava com o sorriso exposto em seu rosto e não levava as ameaças do tenente a sério.
                Carlos levou seus olhos às duas garotas e se impressionou. Percebeu que estavam vivas, que Fred havia mentido todo esse tempo e que Lucas queria matar Thalita. Porém, não sabia o motivo.
                - O que aconteceu? Por que esse garoto queria matar Thalita? – ele perguntou. Não estava com pressa de atirar em Fred antes de saber toda a verdade.
                - Ele queria matá-la – respondeu -, e eu não queria deixar isso acontecer. Eu não queria que Thalita morresse...
                - Por que não?
                - Porque – Fred começou, mas parou por alguns segundos. Porém, percebeu que estava encurralado e agora toda a verdade poderia ser dita – Thalita é a minha irmã.
                Ao ouvir tal revelação, Carlos começou a tossir exaustivamente. Claramente, não estava acreditando nas palavras do garoto. Mas também sabia que ele não poderia mentir mediante toda aquela situação. Agora as coisas pareciam se encaixar: O motivo pelo qual Fred mentira todo esse tempo sobre a possível morte de Thalita, sobre o corpo que nunca fora encontrado...
                Mas... O que Aline teria a ver com tudo aquilo?
                Thalita era irmã de Fred, e o que Aline era? Por que eles não a mataram? Por que estariam guardando-a num cativeiro?
                - E a Aline? – Carlos não pensou em perguntar. Queria saber de absolutamente tudo – O que ela tem a ver com tudo isso? Pra que vocês estavam refugiando-a aqui?
                Fred pensou por alguns segundos e disse:
                - Isso foi um pedido do meu pai. Eu não sei o motivo pelo qual ela continua Viva e segura aqui. Marcos pediu para que eu não a matasse, mas que ajudasse a salvá-la. Ela tem um problema no coração e precisa rapidamente de um transplante... Lucas ia matar Aline, retirar seu coração e colocar na minha irmã... Ele só queria salvá-la... Mas eu não ia permitir que isso acontecesse... E ai você entrou e o matou...
                - Seu pai queria proteger a Aline – Carlos pensou em voz alta – Então ele deve guardar algum segredo sobre ela, e não te contou sobre nada? Ou você está mentindo para mim, Fred? Lembre-se de que acabou para você. Não há escapatória.
                - Eu sei. É por isso que estou dizendo a pura verdade. Thalita é minha irmã porque meu pai teve um caso com a mãe dela... Que era a minha mãe também... E ele mandou Thalita para a adoção porque não suportaria cuidar dela, pois se lembraria de sua esposa... É só isso que eu sei... Sobre a Aline ele não quis me contar nada. Apenas me pediu que a salvasse e pronto.
                As respostas estavam surgindo. As incertezas de Carlos estavam sendo respondidas e o caso estava se esclarecendo. Mas estava na hora de tudo aquilo acabar. Fred seria preso, as garotas seriam salvas e levadas ao hospital e Aline seria enviada ao banco de corações o mais rápido possível.
                - Obrigado por me contar, Fred – disse Carlos, sorrindo – Pelo menos tudo isso que aconteceu comigo valeu a pena. Esse caso está sendo resolvido. Agora sei que seu amiguinho e você estavam procurando um órgão pela internet todo esse tempo para salvar Thalita. Sobre a Aline o seu pai vai me contar, disso eu tenho certeza. E você, prepare-se para viver novamente atrás das grades, sozinho, sem iluminação... Você está frito, Fred! Sua vida literalmente acabou!
                De repente, um estrondo, uma pequena explosão...
                Um tiro.
                Os olhos sem foco de Carlos pararam de piscar. A cabeça começou a sangrar repentinamente, expondo um pequeno e profundo buraco perfurado por uma bala.
                A arma estava sendo apontada por um ser que estava atrás dele, cujo a identidade assustou e impressionou aos olhos de Fred.
                - Você – ele sussurrou e observou o corpo do tenente cair sobre o chão – Você... Como... Como...?
                - Como eu sabia? – completou ela, mirando a arma em direção a cabeça de Fred – Eu sou a mãe dela, Fred. As mães sabem de tudo a respeito dos filhos. Vocês não conseguem esconder nenhum segredo de nós.
                Fred abaixou-se enfraquecido e começou a arfar. Não podia ser. Não podia ser. Aquela pessoa que estava à sua frente jamais poderia saber de tudo o que havia acontecido. Porque aquela pessoa era nada mais nada menos do que Maria Franco de Almeida: A mãe de Aline!
                - Achou que você seqüestraria Aline de mim sem pagar por isso? – Maria perguntou, aproximando-se cada vez mais de Fred – Achou que eu a deixaria com você, seu maluco? Achou que a mataria?
                - Eu não queria matá-la, senhora! Eu, meu pai e meu primo estávamos tentando salvá-la. Ela tem um problema do coração e...
                - EU SEI QUE ELA ESTÁ DOENTE! SOU A MÃE DELA E SEM MAIS DO QUE NINGUÉM QUE ELA PRECISA DE UM NOVO CORAÇÃO! Mas você ia mesmo matar a melhor amiga dela, Thalita, para dar-lhe a vida? Ia mesmo fazer isso, garoto?
                - Não! NÃO! THALITA É MINHA IRMÃ! EU JAMAIS A MATARIA! Quem queria matá-la era Lucas. Ele amava a sua filha. Queria salvá-la de qualquer maneira...
                Maria sorriu e baixou a arma, dizendo:
                - Você é tão bom, Fred. Eu sabia que você jamais machucaria a sua irmã. Você é um bom garoto, um bom filho...
                Os ouvidos de Fred estavam confusos. Ela estava tão calma, tão serena. E falava com ele de uma maneira como se o conhecesse há bastante tempo.
                - Mas você deve voltar para o seu pai... – ela continuou, agora levantando a arma e apontando para o garoto – Deve voltar para a cadeia!
                - NÃO!! – Fred exclamou num tom de socorro.
                O disparo foi alto e certeiro... Atingiu a perna dele, exatamente o local onde Maria queria atirar.
                A agonia foi tensa. O sangue quente escorreu do membro inferior de Fred. Ele caiu ao chão e começou a gritar de dor, olhando furiosamente para a mulher que sorria diabolicamente para ele.
                - Por favor... – ele suplicou – Não faça nada com a Thalita... Eu lhe imploro...
                - Eu não farei... – ela respondeu, tirando um celular do bolso, discando três dígitos e elevando aos seus ouvidos – E você não dirá nada sobre o que aconteceu aqui...
                - Departamento de Polícia – disse a voz do outro lado da linha – Com quem eu falo, por gente lesa?
                - Fred Oliveira está há dez quilômetros da Rodovia Castelo Branco, no meio da floresta, em uma pacata e velha residência... Está impossibilitado de andar... Venham pegá-lo... – disse Maria, sem mais detalhes, desligando rapidamente o celular.
                Fred baixou a cabeça e, ainda com a mão estampando o ferimento, arfava e ao mesmo tempo expressava um sorriso falso, de derrota, tristeza...
                - Então... É assim que acaba... – ele disse – Eu pensei que... Tudo ia dar certo... Que Aline iria ser salva... Que Eu e Thalita pudéssemos recomeçar nossas vidas juntos... Mas não... Tudo deu errado... Completamente errado...
                - Aline é a minha filha – Maria disse, aproximando-se da garota inconsciente – Eu vou salvá-la, Fred... Vou salvá-la... E Thalita ficará bem... Eu te prometo...
                Fred despejou-se totalmente ao chão, fechando os olhos, cansado, exausto... Enquanto Maria empurrava as duas macas onde as duas garotas, amigas, quase-irmãs...
                Quase irmãs... Estavam de olhos fechados, sem saber o que estava acontecendo...
                O local entrou em completo silêncio... O corpo de Carlos e Lucas manchavam o quarto de sangue... Fred tentava poupar suas forças para continuar vivo... E Maria salvaria sua filha e tomaria conta de Thalita...

                Em algumas horas, inúmeros carros de polícia cercaram o lugar. Os policiais desceram com suas armas apontadas para a velha casa. O cheiro do lado de fora era insuportável...
                Vasculhando pela floresta, os policiais encontraram o local onde os corpos das vítimas eram jogados: Um mar de morte, de corpos jogados e empilhados um em cima do outro, com milhares de moscas saboreando aquele maldito odor... Com vermes criando caminhos esburacados entre as peles dos mortos... Parecia um inferno...
                Dentro da residência, eles encontraram os corpos de Lucas e Carlos. Depararam-se com Fred inconsciente e o mar de sangue sobre o lugar... As paredes sujas... O ambiente horrível, com mal cheiro...
                Lamentaram a morte de um grande e valioso tenente da cidade de São Paulo... E sentiram-se satisfeitos por encontrarem um dos assassinos e filho de Marcos.
                No entanto, uma questão ainda pairava no ar, e eles continuavam a se perguntar intrigadamente:
                Onde estavam os corpos de Aline e Thalita?
                Essa era uma questão que jamais seria respondida e descoberta pela polícia de São Paulo...