Por muito tempo eu sofri com a escuridão ao meu redor...
Mas hoje... Hoje eu me libertarei disso.
Chegou o momento.
O meu momento...
O momento de sentir a verdadeira liberdade:
A liberdade humana.
Introdução:
Os gritos agonizantes e desesperados da mulher revelavam o sofrimento e a incontrolável dor de um parto. Diante de um leito totalmente obscuro, forrado com ossos humanos e peças de magia negra, o sangue escorria em profusão e manchava os lençóis pretos.
Os empurrões eram constantes. Morgan concentrava todas as suas forças no nascimento daquela criança. O pequeno corpo pouco a pouco surgia em meio todo aquele difícil parto. Os olhos da mulher avermelharam-se, os caninos cresceram e seu rosto enrugou-se numa expressão gélida, terrível e obscura.
O abafado choro ecoou pelo lugar.
Logo, a luz forte do luar cessou repentinamente. O céu escureceu-se num piscar de olhos e raios e trovões caíram em profusão sobre a cidade de Transilvânia, Romênia.
Braços fortes seguraram aquele recém-nascido e o ergueram para o alto. O ser que o sustentava era Conde Lêmion – lorde de sua raça -. Feliz, ele sorriu e proclamou aos céus e o mundo:
-... A PROFECIA SE CUMPRE AGORA! ESTA É A CRIANÇA, CUJO CIRCULA O PURO SANGUE DE NOSSOS GLORIOSOS ANTEPASSADOS! ESTÁ ESCRITO QUE, NA NOITE MAIS OBSCURA, NO MOMENTO MAIS INCERTO E NA ÉPOCA MAIS DIFÍCIL, UM SER NASCERÁ SEM PRÉVIO AVISO, SEM NECESSIDADE DE ACASALAMENTO... E ESTE HERDARÁ O TRONO DE LORDE E REI DE TODA A NOSSA RAÇA... E GOVERNARÁ O MUNDO ATRAVÉS DAS FORÇAS OCULTAS DE DRÁCULA! EIS AQUI A NOSSA PROFECIA!! EIS AQUI...
O ser baixou a criança, encarou-a com olhos negros e penetrantes:
- Eis aqui... O meu filho... – ele disse, sorrindo.
E aquela criança, mais tarde, seria nomeada:
Conde Draco.
Capítulo 1 - Transilvânia
O vento soprava fraco, mas o bastante para balançar os longos, escuros e lisos cabelos de Conde Draco. O garoto de aparentemente dezessete anos observava a imensidão da antiga e tradicional cidade de Bucareste – Romênia – enquanto permanecia sentado sobre o topo de um dos mais altos edifícios da metrópole. O tempo era claro e razoável, de céu nublado e frio. Não era muito comum o sol surgir naquela região totalmente gélida. E por algum motivo, Draco gostava daquilo.
Seus olhos – vivos e verdes – eram inexpressivos e revelavam a oculta tristeza dentro de si. O rosto – totalmente pálido, fino e perfeito – demonstrava a longitude de sua mente, que estava bem distante daquele lugar: As casas abaixo – totalmente personalizadas e culturais, com telhados vermelhos -, os prédios – altos e luxuosos -, o rio que percorria o caminho no meio da cidade e todas aquelas imagens metropolitanas...
Tudo aquilo era visto por Draco.
Mas somente algumas coisas chamavam-lhe a atenção. E eram exatamente essas coisas que o deixava triste, deprimido, indefeso, solitário...
Seus olhos encaravam os seres que caminhavam pelas ruas de Bucareste. Ao mesmo tempo, eles fechavam e lágrimas de sangue escorriam do rosto pálido:
Draco via as pessoas. Seres humanos comuns...
Humanos.
Algo que ele, certamente, não era.
Será que um dia eu serei? , perguntou-se, fechando os olhos e sentindo a única dor que os humanos também conseguiam sentir:
A angústia.
Será que algum dia eu também conseguirei ser como um simples humano?
Draco abriu os olhos, dobrou os lábios para reprimir o tremor nos mesmos e rapidamente se levantou para esquecer-se daqueles fortes pensamentos. Ele não era humano, não podia sentir tristeza, dor... Seu corpo era imune a esses sentimentos...
Mas, de alguma forma, ele conseguiu sentir.
Enquanto enxugava as lágrimas de sangue no rosto, teve a intuição de que não estava completamente só no topo daquele edifício. O vento soprou novamente em seus cabelos, pequenas mãos surgiram e tocaram suas costas.
Draco virou-se repentinamente e, antes de atingir o inimigo com um golpe punhal, foi surpreendido pela defesa da garota, segurando sua mão fortemente.
- Errou novamente – a mulher disse, sorrindo torto para ele.
Não era um inimigo, tampouco homem.
- Eu estava... Tentando refletir um pouco na vida – Draco disse, olhando vazio para a população abaixo com uma aparência abatida.
A garota o observou por alguns segundos, se deu conta do que estava acontecendo e palpitou:
- Ainda está com medo de seu pai descobrir que você ainda não desenvolveu seus poderes? É isso?
O silêncio de Draco automaticamente confirmou aquela hipótese.
- Draco, você não pode simplesmente se esconder do rei para sempre – Sasha resmungou, ao mesmo tempo em que tentava aconselhá-lo – Você ainda é novo e seus extintos se evoluirão com o tempo. Não tenha medo. Apenas mostre-se filho do Lorde dos vampiros. Seja o que ele quer que você seja: Um vampiro!
- Sasha, eu... – ele tentou falar, mas as palavras escaparam de seus lábios – Eu não tenho vontade de beber sangue. Eu bebo, mas é algo que não me satisfaz e não me sedenta... Eu não tenho uma mente fria e diabólica o suficiente para matar qualquer ser humano... Eu não tenho a força que vocês, vampiros, possuem...
Sasha tentou dizer algo, mas fora interrompida pelo garoto que a calou com a questão mais intrigante que ela podia ouvir:
- Eu sou o filho do Lorde Lêmion , o rei dos vampiros... Mas não sei se eu sou realmente um vampiro também...
- Você é – Sasha disse com toda a certeza, tocando em seus ombros e fazendo-o encará-la nos olhos – Você é um vampiro, Draco, assim como todos nós somos! Não pense nisso. Logo, os seus poderes vão surgir e você será tão forte quanto os habitantes do reino. Você sabe disso, eu sei disso... E mesmo que Lêmion seja o cara mais durão do mundo... Ele também sabe disso... Você é o garoto da profecia. Não há dúvidas... Talvez este seja um processo normal em alguém que nasce com o destino traçado. Lembre-se de que você não foi criado... Você nasceu do ventre da sua mãe e está envelhecendo normalmente... Já eu... Eu estou neste corpo de menina há muito, muito tempo... E continuarei assim para sempre... Sempre...
Tudo se aquietou. As duas mentes permaneceram pensativas por um longo tempo, até que Sasha observou o pequeno jarro de sangue nas mãos de Draco. Logo, a curiosidade a tomou e ela se atreveu a perguntar:
- Você matou alguém?
Ao perceber que ela estava se referindo ao objeto em suas mãos, Draco rapidamente respondeu num tom de desespero:
- Sim, matei! É de humano! Eu mesmo o matei e retirei o seu sangue!
A mentira estava exposta em seus olhos.
Logo, a conclusão de Sasha foi:
- Você matou um animal, não foi?
- Sim – respondeu prontamente o garoto, desmascarado – Não adianta, Sasha. Eu jamais conseguirei matar um ser humano...
- Não consigo entender como um vampiro consegue ter tanta compaixão assim por um simples humano...
- Talvez porque eu não seja apenas um vampiro...
Sasha o encarou e aquietou-se ao ouvir tais palavras. Pensou bastante e logo após começou a rir. Não estava acreditando nas baboseiras que seu companheiro dissera.
- Você é muito maluco, sabia? – brincou ela.
Porém, a brincadeira pouco durou com a pergunta que a deixou totalmente calada e intrigada:
- Sasha, quantas pessoas você já matou para saciar a sua sede por sangue?
O silêncio pairou novamente pelo lugar. O soprar do vento respondeu àquela medíocre pergunta que possuía uma óbvia resposta: Milhares de pessoas já morreram e milhares ainda haveriam de morrer para que a sede por sangue de Sasha fosse saciada... Até o dia em que alguém lhe enfiasse uma estaca no coração.
As bestas se afastaram, dando espaço para que Lob começasse a correr a quatro patas em direção a Torn, que continuou paralisado no lugar.
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O clima começou a mudar com o passar das horas. A noite estava chegando e o vento soprava forte sobre o mar florestal da região, onde um dos servos de Conde Lêmion caminhava à procura de Draco que, misteriosamente, ainda não havia voltado.
Os passos do homem eram rápidos e retos. O seu faro tentava rastrear o cheiro do pequeno vampiro, enquanto seus ouvidos totalmente sensíveis estavam preparados para captar qualquer som estranho.
- DRACO!! – exclamava Torn, o soldado que percorria a grande colina incansavelmente – ONDE VOCÊ ESTÁ?! APAREÇA!! Ah... Nem quero ouvir os gritos do rei quando eu voltar com esse garoto...
Os arbustos remexiam-se com o soprar da leve brisa. Porém, alguns arbustos aparentavam remexer-se com mais velocidade, mais densidade... Parecia que não era apenas a força do vento... Seres se escondiam detrás daquelas imensas arvores...
Seres que não eram vampiros...
Vozes começaram a surgir ecoando sobre a extensa floresta. Risos, gargalhadas, uivos...
Sim, uivos.
Os ouvidos, o faro e os olhos de Torn aguçaram-se e ele parou de caminhar.
- Eu não acredito que alguém esteja rondando por ai a essa hora da noite... – disse a grossa voz ainda desconhecida – E parece que não é um humano... Pelo maldito cheiro de vários tipos de sangue misturados... Só pode ser um... Vampiro...
Os caninos de Torn surgiram, além dos olhos avermelhados. O instinto fez com que seu corpo se preparasse para se defender, assim como também estava preparado para atacar, num posicionamento com os quatro membros ao chão e a cabeça erguida, esperando que o inimigo surgisse para que o ataque fosse certeiro.
Mas o problema era que não havia só um inimigo.
Eram vários.
- Apareçam de onde estiverem! – exclamou o vampiro, tentando rastrear a localização daqueles estranhos seres.
Grandes patas com unhas enormes, um corpo totalmente brusco e forte envolvido por uma grossa camada de pelos negros. Os olhos eram verdes reluzentes e penetrantes e a dentição era grande e afiada...
Eram bípedes, homens...
Lobisomens.
Um a um, os cinco monstros começaram a sair do meio dos arbustos, mostrando suas identidades desconhecidas ao vampiro solitário que, certamente, estava em desvantagem.
- Parece que nos descobriu – disse Lob, o líder do bando – Mas não importa. Você será a nossa refeição da noite, amigo... Há dias que não saboreamos uma suculenta carne... E, sinceramente, a dos vampiros são as mais suculentas...
Dando passos para trás, Torn encarava-os seriamente. Os cinco envolveram-se num circulo, fechando e cercando o vampiro que, amedrontado, os alertou:
- Não façam besteira... Lembrem-se de que há um trato entre nossas raças para que nunca lutemos? Esqueceram disso? Querem mesmo quebrar essa jura? Querem iniciar uma nova guerra entre vampiros e lobos?!
- Nós não esquecemos – respondeu Lob, sorrindo – Apenas manteremos o seu assassinato em sigilo... Se não houver provas de que o matamos, não há o que se preocupar... Daremos um sumiço nos seus ossos quando tudo acabar... Isso se sobrarem os seus ossos...
Os uivos começaram a soar daqueles focinhos. O ecoar passava por toda a floresta. A sensação era de que em breve uma grande batalha iniciaria. Não em breve, mas naquele exato momento.
As bestas se afastaram, dando espaço para que Lob começasse a correr a quatro patas em direção a Torn, que continuou paralisado no lugar.
Um som cortante e perfurante pôde ser ouvido.
Uma mordida: As presas de Torn cravaram-se no pescoço do lobisomem, que segurava fortemente seus braços.
- Me mordeu – deduziu Lob, sorrindo diabolicamente, aparentando não estar abalado por aquele rápido ataque – Idiota, seu maldito veneno não funcionará em mim!
- Eu não quero lhe transformar em vampiro – contrariou Torn, ainda com os dentes cravados – Eu apenas quero me alimentar...
De repente, Lob começou a sentir uma forte pressão sanguínea que aparentava sair de seu corpo: Seu sangue estava sendo drenado.
- MALDITO! – exclamou ele, executando um golpe com as grandes unhas no rosto de Torn, rasgando sua face, fazendo-o desprender-se do lobisomem e saltando para trás para se defender. Ao mesmo tempo, percebeu que os outros quatro monstros haviam desaparecido.
A surpresa: As bestas surgiram por trás do homem, cada uma agarrando um dos quatro membros de Torn, deixando-o incapaz de se mover...
Lob correu em direção ao vampiro, erguendo sua pata com as unhas afiadas e cravando-a diretamente no estômago da vítima: As carcaças internas começaram a cair, enquanto os quatro lobos puxavam com toda a força os braços e pernas...
De repente, o corpo fora desmembrado brutalmente, fazendo o sangue espirrar sobre todos aqueles arbustos que estavam por perto.
Torn estava morto. Porém uma carne era muito pouco.
Não demorou muito para que as feras o destroçassem...
A sombria noite aparentava não ter fim para Conde Lêmion, que, irritado, levantou-se do trono sagrado e sussurrou furiosamente:
Ao dizer tal nome, eis que o garoto surgiu subindo as escadarias, entrando por aquela porta e ficando de frente para seu pai:
- Olá, pai – Draco disse, enquanto observava a aparência séria e pálida do rei.
Os olhos avermelharam-se de tamanha raiva. O sangue circulou mais rápido e os caninos desceram sobre as gengivas:
Lêmion estava furioso.
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